É no longo prazo que se fazem contas

A distância faz milagres. A coragem é rara - e às vezes leva-nos a dizer que não pode ser. A habilidade não é fácil de gerir no longo prazo. E a imodéstia não costuma compensar. Sete notas da semana.

Na política, no desporto, na justiça, é sempre no longo prazo que se medem os resultados - e se as decisões de cada são, ou não, as melhores. Vamos à lista, perceber porquê - entre prémios e cartões (amarelos e vermelhos).

António Guterres
Ex-primeiro-ministro
17

Um prémio pela palavra dada: diz-nos um estudo do ISCTE que, afinal, mais de metade das promessas dos Governos dos últimos 20 anos foram cumpridas. O homem no topo do pódio é este: António Guterres, hoje secretário-geral da ONU, que conseguiu a proeza de dar sequência a 85% das alíneas colocadas no seu primeiro programa de Governo. Registe isto: esse Executivo era novo e minoritário. Registe, já agora, mais isto: o seu mote era repor alguma justiça social dentro de portas. E mais: a oposição da altura deu-lhe anos de paz (o nome Marcelo diz-lhe alguma coisa?). Louve-se, portanto, o registo que ficará para a história: quando vemos as coisas à distância, às vezes repõe-se alguma justiça.

Manuel Narra
Presidente da câmara da Vidigueira
16

Prémio pela coragem. Porque é preciso ter força interior para um autarca vir pôr cobro um problema sério na sua "casa". Ao caso, a existência de trabalho “escravo” no seu concelho. Revoltado com o que tem visto, sem que os deputados ou o Estado tivessem feito alguma coisa em tempo certo, Manuel Narra não ignorou o problema e fez o que era o seu dever: veio a público, alto e bom som, e chamou com isso a Autoridade para as Condições de Trabalho. Sim, estamos a falar de gente que vive bem explorando os "novos escravos". E não, nada disto é minimamente admissível no país que temos, no país que somos. Oxalá o autarca se mantenha atento - e que outros lhe sigam o exemplo.

Inês Henriques
Maratonista
15

Prémio pela persistência. Bem sei, pouco se falou nela, porque tenta ser discreta. Mas a portuguesa Inês Henriques bem o merecia: conseguiu um feito notável este fim-de-semana, estabelecendo o recorde do mundo de 50 km marcha, já nos seus 34 anos. Fez tudo em quatro horas, oito minutos e 25 segundos, em Porto de Mós, Leiria, melhorando em mais de dois minutos o anterior recorde mundial. No reino do desporto, só o tenista João Sousa teve uma semana parecida: voltou a chegar a uma final na Austrália, a oitava da sua já extensa carreira. Os dois valem ouro: sempre nos vão mantendo orgulhosos. Nas provas longas é assim: ganha a resistência.

João Leão
Secretário de Estado do Orçamento
14

Prémio por 'saber dizer não'. Já aqui vos falei dele: discreto, nada mediático, mas seguramente uma das peças mais centrais do Governo. Sabemos agora, ao fim de um ano de governação, que é também das mais eficazes: o secretário de Estado do Orçamento teve a sua desejada vitória com as contas de 2016 a fechar dentro do objectivo negociado com Bruxelas: 2,3%. Disse o PSD que com truques: menos investimento, aperto nos serviços públicos e um perdão fiscal. Que seja, porque não é mentira. Mas para João Leão isso tudo é um elogio: quantos secretários de Estado do Orçamento é que recorreram a medidas extra e não conseguiram atingir o objectivo? Por uma vez, fica o elogio: haja alguém que, neste Governo, consegue pôr o pé no travão. No futuro, agradeceremos todos.

António Costa
Primeiro-ministro
11

Cartão amarelo à habilidade. António Costa negociou na Concertação Social uma medida importante para as empresas, mas que não merecia o apoio do BE e PCP. E ficou, assim, dependente do PSD. Mas foi hábil ao perceber que podia, com isso, fazer um cerco político a Passos Coelho. Costa sairá desta com uma vitória de curto prazo: gasta menos, põe os patrões do seu lado e ainda aparece como um líder. Mas ficou com um problema para o médio prazo: será, a partir daqui, quase impossível negociar qualquer acordo de concertação sem que garanta, antes, apoio parlamentar para esse acordo. Francisco Assis viu bem a questão, aqui no PÚBLICO, só falhou num ponto: Costa não tem interesse nenhum em ter eleições antecipadas. E esse é que é, na verdade, o maior problema deste caso TSU: é que, mesmo confiando na habilidade, dificilmente ela resiste a uma maratona.

Jorge Jesus
Treinador do Sporting
7

Cartão vermelho à imodéstia. Lembro-me que, no início desta época, Jorge Jesus deu uma entrevista a um jornal desportivo dizendo que tinha o plantel que tinha pedido ao presidente - e mostrando a sua enorme convicção de que era desta: o Sporting seria candidato a tudo. Passaram uns escassos meses e lá voltou o Sporting às grandes crises desportivas: fora da Taça de Portugal, fora da Taça da Liga, fora das competições europeias, quase fora do campeonato. Sim, Jesus é o primeiro responsável pela crise de resultados do clube, não tanto pelos resultados (no futebol nunca são certos), nem só pela crise de jogo jogado da sua equipa. O mal de Jesus foi outro: achar-se o centro do mundo e não perceber que é só no fim que se fazem as contas.

Noronha do Nascimento
Ex-Presidente do Supremo 
6

Sinal vermelho à perseguição: demorou anos, mas chegou a decisão: o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem condenou o Estado português num caso que envolvia uma opinião de José Manuel Fernandes, escrita aqui no PÚBLICO, criticando o seu discurso de tomada de posse como presidente do Supremo Tribunal de Justiça. Noronha do Nascimento não gostou do que ouviu, fez disso um caso público e levou-o para os tribunais portugueses. Até ganhou o primeiro round. Mas perdeu agora no decisivo. Às vezes é preciso deixar correr o tempo até que se faça justiça. 

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