Carlos Santos Ferreira nunca declarou ao TC os rendimentos que auferia na CGD

O presidente da Caixa dos primeiros anos da era Sócrates, que está associado a negócios desastrosos para o banco público, entregou ao TC declarações com respostas em branco.

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Santos Ferreira e Armando Vara aparecem associados a negócios ruinosos na CGD PEDRO CUNHA

Carlos Santos Ferreira entregou sempre as suas declarações de património e rendimentos enquanto presidente da Caixa Geral de Depósitos (CGD), mas só preencheu a parte relativa às remunerações quando iniciou funções, com ordenados que recebera antes de assumir o cargo. A partir daí, nem nas declarações de renovação anuais (obrigatórias segundo a versão da lei que vigorou até 2010) nem na de cessação de funções voltou a cumprir este dever, como a lei obriga.

Ao assumir o cargo de presidente da CGD, em Agosto de 2005, Santos Ferreira já ganhava substancialmente mais e possuía um património muito mais vasto do que o seu antecessor, Vítor Martins: 306.364 euros de rendimentos em trabalho dependente em 2004, um veleiro, duas viaturas topo de gama e uma moto Suzuki, além de cinco imóveis.

Na altura, como estava obrigado a fazer renovações anuais, cumpriu a obrigação, mas sem declarar alterações aos rendimentos iniciais. Quando entregou a sua declaração de cessação de funções no início de 2008, também não preencheu a parte relativa aos rendimentos. Apenas informou o Tribunal Constitucional (TC) de que tinha igualmente deixado os cargos de presidente da Caixa Banco de Investimentos e da Caixa Seguros e de membro do Conselho Geral de Supervisão da EDP.

O PÚBLICO questionou o TC e a Procuradoria-Geral da República sobre se estas omissões tiveram alguma consequência, uma vez que impedem a verificação da evolução patrimonial durante o seu mandato, como prevê a lei 4/83. Isto, porque, objectivamente, o dever de apresentação da declaração foi cumprido, mas Santos Ferreira teria de ser chamado a corrigir as declarações. Se não o fizesse, o presidente do TC deveria comunicá-lo ao representante do Ministério Público junto daquele tribunal, para averiguação de eventual “incumprimento culposo” da obrigação de declaração. Até à hora de fecho desta edição, não foi obtida qualquer resposta.

Na qualidade de presidente da CGD, entre 2005 e 2008, Carlos Santos Ferreira, aparece associado a negócios ruinosos para o banco público, e que terão tido interferência política do Governo de Sócrates. Para além de ser um homem do PS, Santos Ferreira foi buscar para seu vice-presidente Armando Vara, envolvido em inquéritos criminais. As operações mais mediáticas da gestão de Santos Ferreira e Vara são as da La Seda, em que a Caixa arrisca perdas de 900 milhões, e Vale de Lobo, onde contabiliza imparidades de 136 milhões. Este último negócio está a ser investigado pelo Ministério Público. A Caixa assumiu 25% do projecto e financiou accionistas, nomeadamente Hélder Bataglia, presidente da Escom, o veículo instrumental do GES em África.

As operações problemáticas dizem respeito aos créditos que a equipa de Santos deu aos grandes investidores do BCP para comprarem acções do banco privado durante a guerra de poder (entre 2006 e 2008) que se travou contra a liderança de Jardim Gonçalves. A seguir, os mesmos accionistas endividados foram buscar Santos Ferreira e Vara para a gestão do BCP, onde estiveram entre 2008 e Fevereiro de 2012, de onde saíram com uma indemnização de 3,4 milhões de euros - o valor que receberiam se as funções se prolongassem até ao fim do mandato. Em 2011, enquanto CEO do BCP, Santos Ferreira foi remunerado em 650 mil euros, quase o dobro do que recebia enquanto CEO do banco público.

Os 349,1 mil euros auferidos anualmente por Santos Ferreira (quase 25 mil euros por mês), enquanto presidente da Caixa, contrastam com o que o BCP lhe pagou, nas mesmas funções: 647 mil euros (mais de 46 mil euros por mês). Ao salário fixo, acrescia uma parte variável superior ao vencimento. No BCP, Vara, como vice-presidente, tinha um salário de 30 mil euros mensais fixos, mais do que Santos Ferreira auferia como CEO da Caixa.

O PÚBLICO tentou ouvir Santos Ferreira, que se encontra ausente do país.

O estranho caso Faria de Oliveira

Outro presidente da CGD cujas declarações levantam dúvidas é Fernando Faria de Oliveira. Entre 2008 e 2013, anos em que desempenhou o cargo, apresentou declarações que apontam para uma enorme perda de rendimentos. Antes de assumir funções, Faria de Oliveira presidiu à comissão executiva do Banco Caixa Geral, instituição do grupo CGD em Espanha, de Junho de 2005 a Dezembro de 2007. Quando apresenta a primeira declaração no TC, declara que em 2006 tinha auferido 494.824 euros de trabalho dependente no país vizinho, 90 mil euros em pensões não identificadas e 42 mil euros em “rendas equivalentes a pensões”.

Em Março de 2009, faz nova declaração (anual) e declara ter recebido, em 2007, rendimentos superiores a 700 mil euros também em Espanha. Na declaração seguinte, em 2010, verifica-se que a vinda para Portugal foi desastrosa para a sua carteira: no primeiro ano de funções na CGD em Lisboa, só auferiu 363.694 euros por trabalho dependente. Em compensação, porém, ainda recebeu de Espanha 657.908 euros de retroactivos de “rendimentos de trabalho e de capitais”.

Em Julho de 2011, quando inicia novo mandato à frente da Caixa, a sua declaração já não contém qualquer remessa do país vizinho: em 2009 recebeu apenas 361.550 euros de trabalho dependente, pensões no valor de 46 mil euros e 34.874 euros de “seguro de capitalização”. Quando cessa funções, em 2013, declara ter auferido no ano anterior 281.670 euros de trabalho dependente, 28.418 de pensões e quase 60 mil de seguros de capitalização. Quando deixou a CGD resignou também à presidência da Fundação CGD, mas manteve-se presidente da Associação Portuguesa de Bancos, aonde chegou em Abril de 2012.

A Faria de Oliveira são imputadas responsabilidades na decisão de desenvolver a operação espanhola da CGD, que sofreu um incremento a partir de 2005. A decisão representou 483,7 milhões de euros de prejuízo para a Caixa entre 2006 e 2012 e tem sido justificada pelo actual presidente da APB com a crise financeira global. 

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