Carlos Costa contra quase todos: "É muito perigoso" o que estão a fazer ao BdP

Governador do Banco de Portugal considera que tem condições para se manter no cargo e considera "muito perigoso" o que estão a fazer à instituição. Na extensa audição no Parlamento, disse que não retirou a idoneidade a Ricardo Salgado mais cedo, porque não tinha "segurança jurídica".

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LUSA/MIGUEL A. LOPES

Foi com um longo jogo de palavras, de perguntas e respostas menos claras, que o governador do Banco de Portugal (BdP) se defendeu nesta quinta-feira das acusações de não ter actuado mais cedo na gestão do BES, retirando a idoneidade a Ricardo Salgado. Diz que queria — “claro que sim!” —, mas que não podia. Faltava-lhe “segurança jurídica” para, no final de 2013 ou mesmo em Janeiro de 2014, chegar junto do então presidente da comissão executiva do BES e dizer-lhe que não tinha condições para continuar à frente do banco. Isso só aconteceu em Julho de 2014. E, desta vez, no Parlamento houve quase unanimidade: PS, PCP, BE e CDS criticaram esta posição do governador na audição no Parlamento.

Estava tudo a ser questionado: a notícia de que técnicos do BdP tinham numa nota defendido o início do processo de retirada de idoneidade a Ricardo Salgado no final de 2013, noticiado pela SIC; a notícia do PÚBLICO de que houve uma reunião no final de 2013 em que havia uma fundamentação técnica (com base em informação do programa RERT a que Salgado tinha recorrido) para avançar com esse processo de retirada de idoneidade; e até a entrevista ao PÚBLICO deste mês, em que o governador admite que no início de 2014 disse “cara a cara: ‘Os senhores não têm idoneidade para continuar à frente de uma instituição’”. E a todas estas dúvidas Carlos Costa respondeu que o BdP estava de pés e mãos atadas por pareceres jurídicos, decisões de tribunais, legislação e falta de provas.

No calendário do governador do BdP, entre o final de 2013 e início de 2014, já tinha a “convicção” de que Ricardo Salgado não tinha condições para continuar à frente do BES. “Uma coisa é eu entender, outra é ter fundamentação e segurança jurídica para a decisão. (...) Uma coisa é a convicção outra a demonstração. Tínhamos a convicção, mas faltava-nos os instrumentos para a demonstração”, defendeu numa audição em que começou por dizer que “não se espoleta um processo [de retirada de idoneidade], se não se tem a segurança jurídica sobre esse mesmo processo”.

Contudo, há um hiato de vários meses em que Carlos Costa achava que Salgado não tinha condições, mas não agiu formalmente, deixando até que este levasse a cabo um aumento de capital do BES. “Se eu pedi para se afastar, foi porque entendia que não tinha idoneidade”, começou por responder à deputada do BE Mariana Mortágua que o questionou sobre a entrevista que deu ao PÚBLICO. Nestas respostas, explicou que, ao não revalidar mandatos do BES, estava já a dar a indicação que considerava não haver idoneidade. Usou a palavra idoneidade? “Quando se diz a alguém que não pode continuar, o que se está a dizer? Não lhe posso dizer se usei a palavra, mas as consequências práticas foram entendidas”, garantiu.

Como sustenta então não ter actuado? Carlos Costa referiu aos deputados pareceres jurídicos de constitucionalistas sobre os riscos que uma tomada de decisão poderia provocar, mas também a própria legislação e a jurisprudência sobre processos desta natureza que é, disse, “fortemente limitativa”. Isto, porque retirar formalmente a idoneidade a Salgado poderia provocar posteriormente processos na Justiça e havia já três decisões contrárias ao BdP. “Não conseguimos encontrar a fundamentação que de acordo com os nossos serviços jurídicos era suficiente para tomar a decisão”, defendeu ao longo das longas horas de comissão.

Mas mais do que isso, justificou a tomada de posição pública do BdP em comunicado como uma forma de assegurar a establidade do sistema financeiro. “A questão é a questão da estabilidade financeira obriga a escolher o momento certo para fazer as coisas. O que digo é que não tínhamos ainda fundamentação, não fizemos uma declaração a dizer que não há, mas que não temos fundamentação”, defendeu.

Mas não foi só este o assunto em cima da mesa. O governador acabou por lamentar os constantes ataques à instituição a que preside, dizendo que “é muito perigoso” o que estão a fazer ao Banco de Portugal, apontando armas às “fugas de informação” selectivas.

Com excepção do deputado do PSD, Carlos Silva, os deputados do PS, João Galamba; PCP, Miguel Tiago; BE, Mariana Mortágua; e CDS, Cecília Meireles, criticaram de algum modo Carlos Costa. 

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