BE quer que Tribunal Administrativo “declare nulo” acordo entre a Selminho e a Câmara do Porto

Na exposição ao Ministério Público, deputado municipal do Bloco revela que os compromissos assumidos pelo município, “além de violarem a legalidade urbanística, podem significar encargos patrimoniais” de um valor que requeria intervenção da assembleia municipal.

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Empresa da família de Rui Moreira considera que chegou a ter direitos construtivos no terreno de escarpa no qual o PDM veio a impedir ?a construção ADRIANO MIRANDA
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Empresa da família de Rui Moreira considera que chegou a ter direitos construtivos no terreno de escarpa no qual o PDM veio a impedir ?a construção ADRIANO MIRANDA

O Bloco de Esquerda pretende que o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto declare nulo e sem nenhum efeito o acordo celebrado em Setembro de 2014 entre a Selminho, imobiliária da família de Rui Moreira e do próprio autarca, e a Câmara do Porto, a que este preside, mediante o qual as partes estabelecem que, no caso de a autarquia não devolver capacidade construtiva a um terreno da empresa na Calçada da Arrábida, na margem Norte do Douro, recorrerão a um tribiunal arbitrral, para determinar a indemnização a que a Selminho tenha eventualmente direito.

Através do seu deputado municipal José Castro, o BE pede ao Ministério Público junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto para requerer a revisão da sentença que homologou o acordo ou para utilizar qualquer outro meio processual para o declarar nulo e sem qualquer efeito. Na exposição dirigida ao procurador-adjunto do Ministério Público (MP) junto do TAFP, o deputado municipal afirma que o acordo “padece de vários vícios formais e materiais na sua formação e no seu conteúdo, que não podem deixar de ditar, directa ou indirectamente, a sua nulidade”.

Em causa está o terreno localizado na Calçada da Arrábida, junto à Via Panorâmica, que a Selminho comprou em 2001 e que, segundo a empresa da família do presidente da Câmara do Porto, tinha “capacidade construtiva”, ao abrigo das normas provisórias que substituíam a primeira versão do Plano Director Municipal. Sucede que, no âmbito do PDM aprovado em 2006, o terreno em causa perdeu capacidade construtiva por se situar numa zona de escarpa, levando a imobiliária a avançar para tribunal contra o município.

O processo judicial terminou em 2014, já neste mandato de Rui Moreira, com um acordo entre as partes, no qual a câmara assume que ou devolve a capacidade construtiva ao terreno, no âmbito da revisão do Plano Director Municipal que está em curso, ou que será criado um tribunal arbitral para definir um eventual direito de indeminização à empresa.

A participação do BE, entregue em Junho, entre outros aspectos, argumenta que “os compromissos assumidos em nome do município do Porto [através desse acordo], além de violarem a legalidade urbanística, podem significar encargos patrimoniais muito significativos, muito acima de um milhão e meio de euros”. E adverte que “compete à assembleia municipal autorizar a câmara a adquirir, alienar ou onerar bens imóveis de valor superior a 1000 vezes a retribuição mínima mensal garantida (RMMG)”. Sublinha que “constituirá uma violação do espírito da lei que estabelece o regime jurídico das autarquias locais não colocar à apreciação e votação da assembleia municipal e assunção de compromissos que, sem base legal, geraram uma obrigação pecuniária num montante muito superior a mil vezes a RMMG, como é o caso do acordo celebrado com Selminho”.

A este propósito, o documento do Bloco nota ainda que do "facto de o mandatário do município não possuir poderes para assumir o compromisso vertido no acordo quanto a alterações no PDM que satisfação as pretensões da Selminho, ocorre uma espécie de incompetência orgânica ou usurpação de poder que, afecta inexoravelmente o acordo, tornando-o nulo”. A exposição do deputado José Castro refere que o “mandatário do município do Porto, designado pelo presidente da câmara, não podia garantir à Selminho a alteração do PDM num sentido favorável às suas pretensões, primeiro porque os órgãos das autarquias são independentes” e, depois, porque “é à assembleia municipal que cabe aprovar o PDM (…), sob proposta da câmara”. Mas há uma outra razão: “À assembleia municipal nunca foi transmitida qualquer informação sobre o processo judicial em apreço nem do compromisso assumido com a Selminho relativamente à alteração do PDM e à câmara também não”.

O texto do BE sublinha que “o presidente da Câmara do Porto foi sócio e é familiar director de sócios da Selminho pelo que, de acordo com o Estatuto dos Eleitos Locais, estava impedido de intervir no processo, impedimento que incluía, obviamente, subscrever a procuração apresentada na audiência prévia de 10 de Janeiro de 2014”. Por outro lado, invoca o Regime Jurídico da Tutela Administrativa que prevê até que "incorrem em perda de mandato os membros dos órgãos autárquicos que, no exercício das suas funções, ou por causa delas, intervenham em procedimento administrativo ou contrato de direito público ou privado relativamente ao qual se verifique impedimento legal, visando a obtenção de vantagem patrimonial para si ou para outrem’”. Para o eleito do BE, “a actuação do presidente da Câmara do Porto no processo judicial desencadeado pela Selminho enquadra-se nesta situação”.

“Para além de vícios formais, incompetência orgânica, usurpação de funções (…), o deputado municipal afirma ainda que o “acordo está também ferido de nulidade por outros vícios de ordem material”. José Castro fala ainda de procedimentos que “põem em causa a legalidade urbanística” e revela que a “Selminho nunca iniciou qualquer procedimento para obtenção de licença ou pedido de informação prévia, pelo que, em rigor, nunca possuiu qualquer direito a edificar com o mínimo de consistência ou fundamento legal”.

Em suma: “O presidente da Câmara do Porto e a vice-presidente [Guilhermina Rego, que assinou uma procuração no decorrer do processo], ao decidirem que o mandatário do município do Porto celebrasse um acordo com a Selminho (sem competência para tal… ) e com um conteúdo material (eliminação das restrições à edificação), que desrespeita a legalidade urbanística, violaram, pelo menos o princípio da legalidade”. Mas também o “princípio da prossecução do interesse público e o princípio da justiça e imparcialidade”.

Contactada pelo PÚBLICO, a Câmara do Porto recusou fazer qualquer comentário.

Queixa da CDU arquivada

No passado dia 13, Rui Moreira anunciou que tinha sido notificado pelo Ministério Público do arquivamento de uma queixa apresentada pela CDU contra si também a propósito do caso Selminho. "Entendeu o Ministério Público, após investigação, que não existiu 'qualquer sinal de proveito pessoal do autarca visado ou de terceiros ou de prejuízos patrimoniais para a autarquia, por não ter sido clarificado que hajam sido violados os deveres de respeito pela legalidade administrativa, que enformam o munus [obrigações fundamentais] das suas funções, susceptível de pôr em causa o seu desempenho isento e íntegro'", referiu Rui Moreira, em nota enviada à Lusa.

Perante o arquivamento, o autarca independente disse esperar "um pedido de desculpa" da CDU, mas também do PSD e Bloco de Esquerda, "tendo em conta o aproveitamento político e eleitoral que tentaram fazer com acusações caluniosas" sobre este processo. "As acusações visaram lesar a minha imagem pública e bom nome, assim como os da minha família", afirmou.

A CDU respondeu então que Rui Moreira devia era "corar de vergonha". Isto, porque o MP, ao mesmo tempo que referia que não pedia a perda de mandato do autarca por não ter ficado provada a intenção dolosa nem a existência de proveito para o presidente da câmara ou sua família nem prejuízo para o município, não deixou de censurar o comportamento de Rui Moreira neste caso, considerando que "feriu o dever de imparcialidade" ao "transmitir poderes de representação [a advogado, por pocuração], em matéria à qual se encontraria legalmente impedido de intervir", dada a sua relação com a Selminho.

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