Barroso apoia candidatura de Guterres a secretário-geral da ONU

Só houve discordância sobre a validade da solução governativa encontrada por António Costa.

Foto
António Guterres e Durão Barroso no debate desta segunda-feira à noite Nuno Ferreira Santos

Durão Barroso afirmou na noite desta segunda-feira apoiar a candidatura de António Guterres a secretário-geral da ONU, num debate sobre o estado do mundo organizado em parceria pela RTP e pela Fundação Francisco Manuel dos Santos. “Nunca pensei candidatar-me por razões pessoais e vejo com muito agrado a candidatura de António Guterres”, disse o antigo presidente da Comissão Europeia e ex-primeiro-ministro de Portugal. Guterres confirmou ter recebido diversas manifestações de apoio do político que lhe sucedeu à frente do Governo de Portugal. “Estou muito agradado”, reconheceu.

A situação internacional, nomeadamente a ameaça do terrorismo e o drama dos refugiados, levou António Guterres, até Dezembro último alto-comissário para os refugiados das Nações Unidas, a destacar a necessidade de apoiar as sociedades na defesa dos valores que podem ser postas em causa pela luta contra o terror. “É necessário um equilíbrio”, sentenciou.

“O terrorismo é o caso em que a política pode introduzir medidas que põem em causa o direito à privacidade”, considerou Durão Barroso. “É preciso um certo equilíbrio”, enfatizou.

Em termos gerais, Barroso e Guterres, com ampla experiência política internacional, manifestaram sintonia sobre os grandes temas.

Ambos reconheceram que as relações de força actuais deixaram de ser claras – “vivemos num mundo caótico em que a impunidade e a imprevisibilidade tendem a multiplicar-se”, disse António Guterres. “Há um poder difuso, desorganizado”, concordou Durão Barroso, admitindo que tal cenário tanto afecta os Estados como as grandes corporações industriais.

“No mundo de hoje, as desigualdades estão a crescer, é uma consequência da globalização e do progresso tecnológico”, sistematizou Guterres. Barroso concorda que aumentaram as desigualdades, embora nunca como no tempo actual se tenham retirado tantas pessoas da pobreza.

“Há um défice de política a nível global, não temos um sistema [eficaz] de governança, hoje as empresas têm mais facilidade de se adaptarem do que os Governos”, considerou o candidato a secretário-geral da ONU. “Gosto de ver as coisas sempre do lado positivo, temos de acabar com o glamour do pessimismo”, argumentou o ex-presidente da Comissão.

Para Barroso, o desenvolvimento científico permitiu uma melhoria generalizada dos principais indicadores sócio-económicos. “Ter uma atitude negativa em relação à ciência é o problema de alguns países”, destacou.

“Investir na Educação, na Ciência e na Tecnologia é básico para enfrentar os desafios”, admitiu Guterres, reconhecendo, contudo, que o desenvolvimento científico implica uma nova capacidade regulatória. A este propósito, o antigo presidente da Comissão Europeia revelou ter sofrido enormes pressões no processo de escolha dos elementos da comissão de ética.

Concordância houve, ainda, na forma como os dois políticos encaram o papel da União Europeia. “A União Europeia tem as costas largas”, acusou Barroso, dando um exemplo: “As decisões tomadas em relação à crise do euro foram por unanimidade”. Contudo, como tem vindo a salientar, as políticas nacionais desenham uma outra interpretação. “Existe a europeização dos fracassos e a nacionalização dos sucessos”, disse.

Esta peculiar forma de actuação foi reconhecida por Guterres. “Tal tem criado na opinião pública europeia um sentimento contra o aprofundamento da construção europeia e, quanto mais precisamos de Europa temos dificuldades em que os Estados se ponham de acordo em temas de solidariedade europeia”, denunciou.

A possibilidade de o referendo britânico ser favorável à saída do Reino Unido da União Europeia levaria, segundo Barroso, à saída da Escócia do Reino Unido, também por referendo. O que, admitiu o ex-presidente da Comissão, teria implicações em Espanha com a Catalunha. “Moscovo seria a primeira a festejar” com a vitória dos eurocépticos, considerou Durão Barroso.

Os dois coincidiram na responsabilização das elites do atraso de Portugal. “No estrangeiro, Portugal é visto com respeito em relação à sua história mas é visto – há que reconhecê-lo – como país pobre, relativamente atrasado do ponto de vista da Educação, é visto com alguma condescendência, o que magoa”, lamentou Durão Barroso.

“O atraso estrutural é no domínio da Educação, as elites portuguesas não estão à altura do povo que temos, está na origem do atraso relativo que nos atiram à cara”, diagnosticou António Guterres.

As divergências apenas surgiram em relação à situação política nacional, sobretudo face à solução governativa encontrada por António Costa. “Não é bom para o país, foi um erro a fórmula governativa escolhida, diria o mesmo se fosse ao contrário, se fosse o PSD a governar”, concluiu Barroso.

“Não tenho a mesma opinião”, respondeu Guterres. “O mais importante é que tudo corra bem, que as políticas sejam aplicadas”, disse, referindo explicitamente os que sofreram com a crise económica. “O acordo político foi criativo”, destacou. E explicou que não põe em causa a fidelidade aos compromissos europeus e atlânticos.

Sugerir correcção
Ler 4 comentários