Banif: relator culpa gestão e propõe mudanças no Banco de Portugal

Relatório preliminar do deputado do PS já foi entregue aos grupos parlamentares da Comissão de Inquérito. Propõe uma investigação do Parlamento Europeu à "opacidade" do BCE e uma separação das competências do Banco de Portugal: supervisão e resolução.

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Enric Vives-Rubio

Eurico Brilhante Dias partiu para este relatório com três dúvidas: "Por que foram injectados 1100 milhões no Banif, em 2012?"; "Por que não houve nenhum plano aprovado para o banco, entre 2013 e 2015?" e, por fim, "por que foi preciso resolver o banco?"

Estas perguntas correspondem, basicamente, aos três períodos de tempo que estiveram em análise na Comissão de Inquérito que ocupou os deputados nos últimos meses.

O primeiro período termina em Dezembro de 2012. E nessa parte das conclusões de Eurico Brilhante Dias há uma nota curiosa, que deve agradar ao CDS: o relator considera que a supervisão do Banco de Portugal passou a ser mais actuante a partir de 2010, depois da saída de Vítor Constâncio e da entrada do actual governador, Carlos Costa.  Mesmo assim, apesar de atribuir a maior responsabilidade pela degradação do Banif à sua gestão e accionistas, o relator conclui que o Banco de Portugal não forneceu ao Governo de então (Vítor Gaspar era o ministro das Finanças em 2012) toda a informação necessária para que o banco, que era visto como "péssimo" (nas palavras de António Varela, ex-supervisor), fosse sujeito a um julgamento correcto na altura da recapitalização pública. Eurico Brilhante Dias conclui que o Estado assumiu o risco de injectar 1100 milhões de euros com base num "cenário não analisado e escrutinado".

Exemplos: a alteração para quase o triplo do valor estimado (de 400 milhões para os 1100 milhões da recapitalização) e a divergência "materialmente importante" entre a reestruturação do banco que a Comissão Europeia pretendia (redução do balanço do Banif entre 60 e 70%) e aquela que o Banco de Portugal estimava (23%).

O relator não aponta o dedo a Gaspar: "Fez o que fez, nas circunstâncias que existiam", justifica Eurico Brilhante Dias. E até deixou escrita, na correspondência com o governador Carlos Costa, a sua relutância e cepticismo face aos montantes da recapitalização e à sua exclusiva componente pública.

Fechada a capitalização de 2012, segue-se um período de quase três anos em que "erros sucessivos" ditaram um adiamento de soluções e uma deterioração das condições do Banif. A pergunta do deputado é: "Por que não houve um plano de reestruturação aprovado?" Foram oito os planos apresentados, e nenhum chegou a merecer o aval das instituições europeias (que ainda nem sequer tinham decidido se a recapitalização era uma ajuda pública "legal"). Mais uma vez, Eurico Brilhante Dias poupa nas críticas à responsável política por essa "segunda fase" do problema, Maria Luís Albuquerque. A prolongada troca de cartas com a Comissão Europeia, o adiamento na substituição da administração do Banif têm, para o relator, uma explicação: "Não digo que Maria Luís Albuquerque o fez com dolo ou negligência, mas foi uma opção."

A opção deve-se a uma intransigente posição do BCE e da Comissão: nenhuma destas instituições parecia acreditar que o Banif era viável. Ainda assim, o relator considera ter havido "condescendência" da DG Comp com a situação do banco ao longo dos seus últimos três anos de vida.

E assim se chega à terceira (e mais curta) fase do relatório. A que procura responder à pergunta: "Por que foi preciso resolver o Banif?" A resposta ensaiada pelo relatório é simples: A resolução foi uma "solução má para evitar uma solução péssima."

No relatório preliminar que entregou, poucos minutos antes da meia noite de quinta-feira, aos grupos parlamentares, Eurico Brilhante Dias esforça-se por encontrar um caminho entre as armadilhas políticas desta comissão de inquérito - que nasceu crispada e assim continuou. Só sobre a transmissão de informação entre os membros do Governo anterior e o actual há três versões diferentes. Maria Luís Albuquerque, Mário Centeno e Ricardo Mourinho Félix relataram, todos, factos diferentes aos deputados. O relator procurou sublinhar a concordância: "Todos disseram que este era um caso urgente." E foi essa "urgência" que acabou por influir na decisão, tomada pelo Banco de Portugal, de resolver o Banif, a 20 de Dezembro de 2015.

Esse é um dos pontos em que Brilhante Dias vê necessidade de se alterar as regras. Para o deputado, "há um conflito de interesses" entre as duas funções que o Banco de Portugal desempenha, enquanto regulador da banca e, ao mesmo tempo, autoridade que decide a resolução.

Mas a primeira recomendação do deputado é que esta investigação ao Banif prossiga, desta vez no Parlamento Europeu. A comissão de inquérito portuguesa sentiu uma "dificuldade de escrutínio democrático" sobre as decisões das instâncias europeias. E se a Comissão Europeia ainda respondeu, por escrito, aos deputados portugueses, o BCE nem isso fez, o que constitui uma "opacidade inaceitável", adianta o deputado.

Logo nas primeiras reacções a este relatório, o deputado do PSD Carlos Abreu Amorim considerou que este tinha "conclusões erradas". O relator, que estará na próxima segunda-feira a defender o seu trabalho na comissão de inquérito, rejeita que este seja um trabalho "dogmático e parcial do ponto de vista político". E garante ao PÚBLICO que, tendo sido um trabalho difícil, tira pelo menos uma satisfação: "Aprendi imenso."

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