Avisos de Passos sobre o facilitismo do Governo podem virar-se contra o PSD

Passos também pode estar a seguir por um caminho perigoso: os portugueses vêem nele o regresso da austeridade e ainda têm a memória fresca sobre os sacrifícios impostos, lembra o politólogo António Costa Pinto.

Foto
No domingo à noite, Passos Coelho discursou perante uma plateia de cerca de 2100 pessoas, segundo números da organização, mas de quem não teve praticamente reacção Filipe Farinha

Se o presidente do PSD não se cansa de afirmar que a esquerda está a levar o país por um caminho perigoso ao desfazer as reformas e a austeridade do seu Governo, também não é politicamente saudável para a direita que Pedro Passos Coelho continue a insistir na ideia de que será um Executivo seu a ter que pôr Portugal nos eixos novamente.Quem o afirma é o politólogo do ICS. Instituto de Ciências sociais Antóniop Costa Pinto. Porque tal significa, de acordo com o investigador, o retorno da austeridade e das vénias a Bruxelas - e disso os portugueses ainda têm a memória fresca. Para Costa Pinto o discurso de Passos na Festa do Pontal “não trouxe qualquer mensagem nova” à discussão política. A ideia do “mais do mesmo” foi, aliás, o rótulo que se colou rapidamente ao discurso do líder do PSD. E o comentador político Pedro Marques Lopes sublinha que pelo menos Passos “é coerente” - está a repetir tudo o que defendeu no poder -, mas acaba por deixar a ideia do “seu próprio esgotamento”.

O líder do PSD enveredou por um discurso “muito repetitivo e negativo de que a esquerda está a destruir e a direita é que terá de salvar o país, do “nós fizemos, eles desfizeram”, realça Costa Pinto. “Do ponto de vista da estratégia política isto até pode ser realista. Mas não é bom para o centro-direita. Porque está a dizer ao eleitorado que o PSD é o regresso à austeridade”, alerta. A que Marques Lopes interroga: “Mas isso permite ao PSD crescer de forma a ir buscar o eleitorado do centro e a conseguir a maioria que lhe permite governar?”. E responde: “Não parece.”

A “estratégia da catástrofe”, como lhe chama Marques Lopes, “só resultará para o PSD se ela realmente acontecer”. Porém, apesar de anunciada, tem sido “sistematicamente adiada” desde Outubro e o Governo da geringonça tem passado em todos os testes, desde o Presidente da República até à decisão de Bruxelas de não multar Portugal. “Isso é politicamente terrível para Passos e para o PSD porque é uma estratégia sempre desmentida por ela própria. Será que o diabo ainda vem Setembro?”, questiona o comentador.

O politólogo André Freire, do ISCTE- Instituto Universitário de Lisboa, admite que a falta de crescimento da economia pode, de facto, colocar um problema a Costa se obrigar a medidas orçamentais: conseguir o difícil equilíbrio entre as soluções necessárias, o seu programa de Governo e os acordos à esquerda. Mas Passos será alternativa quando “também não cumpriu as suas e até foi além da troika?”

A falta de novidades no discurso comprova que Passos Coelho “está mais à espera do desastre das relações entre Portugal e Bruxelas por causa dos dados negativos da economia, que forcem um regresso à austeridade, do que em apostar numa plataforma alternativa positiva do PSD”, vinca Costa Pinto. Por outro lado, houve um “reconhecimento que a geringonça tem Orçamento de Estado para 2017 e que a coisa poderá estar para durar - pelo menos mais um ano” ou até mesmo ao fim da legislatura, como chegou a admitir Passos.

Esse é um ponto em que Passos  Coelho mergulha “numa enorme contradição”, aponta André Freire:  “É um pouco frágil enquanto argumentação dizer que um Governo está esgotado mas admitir que consegue o Orçamento e até chegar ao fim da legislatura”. Nas declarações do ex-primeiro-ministro, Freire viu uma “tentativa de marcação de posição sem grande impacto nem convicção”, uma espécie de “cumprir calendário”.  

Do discurso do Pontal, António Costa Pinto realça mais duas ideias: a acusação do facilitismo deixa no ar um desafio a Costa para avançar com políticas diferentes. E outra, menos feliz na análise do politólogo, sobre a imagem negativa de uma troika de Governo de esquerda. “Esse tipo de discurso da ameaça do espectro da esquerda radical não tem funcionado. Tanto quanto os estudos nos permitem dizer, os portugueses não se preocupam com a forma da solução governativa mas mais com os conteúdos.”

Já o primeiro-ministro usou a ironia para comentar o discurso de Passos Coelho, ao rotular o líder do PSD como o mensageiro da “desgraça” que acaba por não se concretizar e de ter um discurso de “vira o disco e toca o mesmo”. Em vez de falar do fraco crescimento do PIB, António Costa, citado pela Lusa, preferiu realçar a redução do desemprego e os indicadores positivos, publicados pelo INE, da expectativa de investimento e da confiança de consumidores e de empresários da indústria e construção.

No domingo à noite, Ana Catarina Mendes, número dois do PS acusara Passos de não ter “memória”, ser “pessimista e ter uma visão distorcida da realidade”, e desafiara o PSD a fazer diferente desta vez e a apresentar propostas de alteração ao Orçamento do Estado para 2017. Contactados pelo PÚBLICO, CDS e PCP declinaram comentar o discurso e BE e PEV não responderam. 

Sugerir correcção
Ler 9 comentários