Alemães e ingleses candidatam-se contra a industrialização do turismo no Algarve

Nas assembleias municipais de Aljezur e Monchique, dois estrangeiros são veteranos na forma de manejar a “geringonça” no poder local. O que os une é o gosto pela ecologia, mas concorrendo em partidos separados – PS e PSD.

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Monchique: Anne Dinnen, candidata PS,Monchique: Anne Dinnen, candidata PS Mário Lopes Pereira,Mário Lopes Pereira
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Aljezur: Johannes Schydlo, candidato PS Mário Lopes Pereira
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Aljezur: Fabrice Walther. Candidato PS Mário Lopes Pereira
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Monchique: Monique Volkens, candidata PSD Mário Lopes Pereira

Um alemão, residente em Aljezur, e um inglês, a morar em Monchqiue, representam – ainda que simbolicamente – os interesses da comunidade dos estrangeiros residentes no interior do Algarve, que deverá rondar os 80 mil. Um é tradutor, o outro engenheiro. Em comum cultivam o gosto de viver em contacto directo com a natureza e um certo espírito de rebeldia. “Somos independentes”, proclamam os sexagenários, sublinhando que o adjectivo “independente”, neste caso, tem um significado para lá das fronteiras político-partidárias.

Johannes Schydlo, 65 anos, é deputado municipal em Aljezur há 16 anos nas listas do Partido Socialista, mantendo uma posição elegível para repetir o mandato. Chegou a esta vila, integrada no Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, há 36 anos. “Vim em busca de uma vida alternativa, estava farto da Alemanha”. O que o atraiu foi a vida pacata a girar ao ritmo do ciclo das estações do ano.

“A minha principal acção política foi ter saído da Alemanha. Detestava o sistema”, enfatiza. De início, recorda, o grupo com quem partilhava os valores ecológicos era formado apenas por cinco germânicos. Porém, à medida que os cabelos foram embranquecendo, os laços de afectividade estenderam-se aos restantes residentes no concelho. Por isso, quando a sociedade recreativa de Aljezur fechou portas, há cerca de 18 anos, Johannes tomou a iniciativa de fundar associação “Tertúlia de Aljezur” para manter o convívio, no mesmo espaço em que jogava bilhar com os pescadores e agricultores seus amigos. Situa-se na rua de Lisboa. Por sinal, “a rua mais pequena de Aljezur”, diz.

O presidente da Câmara, José Amarelinho, socialista, não lhe poupa elogios: “Um amigo empenhado nas causas ambientais”, descreve, salientando a importância da vinda de “gente de fora” para um concelho em declínio demográfico. “Os estrangeiros têm sido nossos aliados, e dos mais activos na batalha contra a exploração de petróleo no Algarve”, enfatiza. Neste campo, apesar de algumas notícias sugerirem que foram congelados os contratos, o autarca não desarma. “Assumo o compromisso de continuar a luta, o processo não está encerrado”.

A comunidade de estrangeiros, neste concelho com 5884 habitantes (Censos 2011), deverá representar cerca de 20% do total da população.

Na zona litoral, a atmosfera política é diferente. Quem compra vivendas de luxo, na Quinta do Lago ou Vale do Lobo, não entra nas corridas eleitorais. A influência junto do poder local faz-se de forma indirecta: através da promoção de torneios de golfe solidários e jantares filantrópicos, tendo como destinatários das receitas os mais desfavorecidos.

Segundo a Associação dos Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve (AHETA), estima-se que haverá 80 mil residentes estrangeiros na região, 50 mil dos quais britânicos.

Em Monchique, no que diz respeito aos estrangeiros residentes, os números deverão ser semelhantes aos de Aljezur: cerca de 20% do total da população, constituída por 6054 habitantes (2011). No entanto, a percentagem revelada pela Pordata (2015) fica-se pelos 10,6%. O presidente da AHETA, Elidérico Viegas, justifica a discrepância dos números com o facto de não serem contados os residentes temporários. O acordo Schegen, recorda, abriu as fronteiras no espaço europeu.

Do que não restam dúvidas, destaca o presidente da Câmara, Rui André, do PSD, (candidato a um terceiro mandato), é a “importância crescente dos estrangeiros na vida social e económica, mas demográfica, também”. Como reflexo dessa situação, exemplifica, a população escolar tem subir, ainda que ligeiramente”.

A “geringonça” municipal

Quando Stephen Hugman chegou a Monchique há 25 anos, o turismo ainda não tinha subido até à serra. “Estamos no fim de um dos verões mais secos da última década e em redor tudo está verde”, diz o inglês de 64 anos, chamando a atenção para o crescimento do turismo ligado à natureza. Nos últimos cincos anos, enfatiza, abriram mais de noventa estabelecimentos de alojamento local na região. A associação “A Nossa Terra”, a que preside, funciona como ponto de encontro e plataforma multicultural de aproximação e ligação do concelho ao mundo, pelo facto de ser reconhecida como Organização Não Governamental (ONG) na área do ambiente.

Aqui, ao nível do executivo autárquico, o debate político está bipolarizado entre o PSD e o PS. Na Assembleia Municipal o espectro da representação democrática alarga-se  à CDU e a um movimento independente, com um representante de cada uma destas forças políticas. Stephen Hugman, deputado municipal há oito anos e a caminho de um terceiro mandato, pelo PSD,  vê vantagens nesta “geringonça” local. “Temos de dialogar e negociar. Quando há maiorias é só carimbar”, enfatiza.

Das decisões tomadas por consenso destaca o chumbo unânime à instalação de duas pedreiras de feldspato (um grupo de minerais). “Uma indústria que não traria valor acrescentado e colocaria em causa a sustentabilidade do turismo ambiental”. Na Europa, justifica, só existe uma mina de feldspato na Noruega, mas é subterrânea e a povoação mais próxima fica a 80 quilómetros. Não é a céu aberto, como pretendiam fazer aqui.”

Candidatos a “picar o ponto” na política

Aos dois veteranos do poder local, Johannes e Stephen, juntam-se três novos candidatos. Monique Volkers, holandesa, e Anne Dinneen, irlandesa, concorrem em listas opostas para a junta de freguesia de Monchique. A primeira vai pelo PSD, a segunda pelo PS. Estão ambas estão em lugares não elegíveis, mas não se manifestam preocupadas com os resultados. “Importante mesmo é participar na vida colectiva”, diz a irlandesa, de 57 anos, professora de yoga. Com a serra de Monchique a servir de pano de fundo, faz alguns exercícios exemplificativos de como as pessoas “devem estar em equilíbrio com a natureza” – um princípio que diz ser o seu lema de vida e motivação para entrar na política.

Em Aljezur, o jovem surfista Fabrice Walther, concorre pelo PS a vice-presidente da junta de freguesia da Bordeira.

Na Holanda, Monique foi directora de uma associação de apoio a refugiados durante dez anos. “Trabalhei como voluntária, mas tive de aprender a ser diplomata nas questões que tinha de abordar com os políticos”. Por isso, diz compreender bem o alcance da declaração de Stephen: A “geringonça tem de ser gerida, com diálogo”. Na quinta onde reside há sete anos, em Monique, faz agricultura biológica, cria galinhas e cabras, enquanto aguarda o licenciamento para abrir um alojamento local. Sobre a integração social, encara as dificuldades do dia-a-dia como um processo normal de aprendizagem permanente. “O sistema aqui funciona muito à base de famílias, na política e noutras coisas”. As outras coisas, explica, é o sistema da administração pública: “A norma pode estar escrita, mas depois há outras formas de resolver o assunto”. Por isso, uma das suas propostas eleitorais consiste na criação de espaço de apoio aos investidores e residentes estrangeiros, para explicar como é que se podem orientar num país do “jeitinho”, bem ao gosto português. O jeitinho é bom ou mau? “É diferente, trata-se de uma questão cultural”. O facto de concorrer na condição de independente na lista do PSD é uma coisa para aprender. “Na Holanda acho que não existe essa figura e também não é bem aceite pelos eleitores quando alguém muda de partido”.

Anne Dinneen, embora concorra pelo PS, acha que se situa mais à esquerda. “Gostaria de me candidatar pelos Verdes, mas na junta de freguesia manda o PS, e assim posso ser mais útil”, justifica. Quando chegou a Monchique, há 29 anos, na condição de mãe solteira com dois filhos, não sentiu quaisquer dificuldades na integração. “Quando se tem crianças, as pessoas abrem os corações”, diz. Embora não tenha esperança de vir a ser eleita, acha que vai contribuir para o debate das ideias, “mesmo com o PSD a mandar na câmara”. Uma das suas propostas eleitorais é a criação de um mercado: “Os agricultores produzem, mas não conseguem escoar os produtos”, lamenta.  

Burocracia: na Alemanha é pior

A questão do ordenamento do litoral está na agenda de Fabrice Walther, um candidato alemão que assimilou a cultura portuguesa. O jovem, de 28 anos, filho de pai francês e mãe alemã, licenciou-se em Design de Comunicação, em Portugal, e é o número dois da lista do PS para a junta de freguesia da Bordeira. No último mandato, já integrou o órgão executivo da autarquia. “Falta um parque de caravanismos“, destaca, da lista das prioridades a realizar ao nível do ordenamento da costa vicentina.

Numa zona em que o chamamento do mar é quase contínuo, Fabrice – tal como os jovens da sua geração – não podia de deixar de ser surfista. Em paralelo à actividade desportiva abriu uma loja de venda e aluguer de material para surfistas, na Carrapateira, e tornou-se empresário. O negócio tem como complemento a oferta de uma linha de material desportivo, por ele desenhado. Quebrar a sazonalidade turística, diz, é o principal desafio do concelho e da região. “A maioria dos meus amigos não chegou à faculdade – dedicam-se à pesca ou ao turismo”, diz, defendo a necessidade de diversificar a base económica do concelho e abrir horizontes para as novas gerações. 

O deputado municipal Johannes Schydlo tem acompanhado a evolução do concelho, interpretando as motivações dos turistas e dos residentes. “Nos últimos anos, muitos alemães têm ido embora por falta de assistência na saúde – no centro de saúde de Aljezur, nem sempre há médico”, denuncia. Mas, por outro lado, reconhece que a barreira da língua constitui, também, uma dificuldade para alguns. No que diz respeito às frequentes queixas dos portugueses contra a burocracia, não vê grande razão para isso. “Na Alemanha ainda é pior”, diz, justificando: “Os muitos papéis que são precisos para fazer uma e

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