A Taça das Zero Sanções

O pior que pode acontecer a Portugal é a perpetuação das desculpas externas para esconder as incompetências internas.

Pronto. Já cá canta mais uma taça. Portugal continua a vencer na Europa. Contra todos as expectativas, e após um forte pressing final do adversário que levou o próprio treinador português a duvidar da vitória (“a situação aparentemente não está muito simpática para Portugal”, disse ontem António Costa), lá conseguimos erguer a Taça das Zero Sanções. Marcelo pode encomendar as medalhas. Todos estão contentes: o governo está contente porque Pierre Moscovici plagiou os seus argumentos epistolares em conferência de imprensa; o PS está contente porque ergueu a voz e Pedro Nuno “Até as Pernas Lhes Tremem” Santos foi enfim vingado; o Bloco está contente porque já não tem de referendar nada; o CDS está contente porque defende as zero sanções desde pequenino; o PSD está contente porque espera que a frase “contas de 2015” não mais seja invocada até à segunda vinda de Cristo à Terra; e o PCP… bom, o PCP não está contente, mas também não podia estar: no que diz respeito à Europa, o partido enveredou pelo anarco-sindicalismo e entende que a Comissão não tem o direito de passar multas, mesmo que sejam zero.

Já agora: eu também estou contente. Não por ser sensível ao patriotismo lamecho-pedinchão que tem dominado a canícula, mas por uma razão muito prática: agora, há menos uma desculpa à qual António Costa se agarrar. Ao longo dos últimos meses, o nosso querido primeiro-ministro colou-se como uma lapa ao discurso das zero sanções porque ele lhe permitia mil e uma distracções. Agora está na hora de dar o corpo pelas suas políticas e pelas políticas do seu Governo, sem a desculpa de que a Europa está malvadamente entretida a sabotar o seu keynesianismo de casino, impedindo a esquerda de regovernar e mostrar ao mundo o quão bestial e amiga do crescimento é a sua aposta no consumo interno e na devolução dos rendimentos aos funcionários públicos. Não há multa, não há injustiça, não há sanções – o Governo que leve a taça e comece finalmente a assumir as consequências dos seus actos.

O pior que pode acontecer a Portugal é a perpetuação das desculpas externas para esconder as incompetências internas. Sócrates teria sido um primeiro-ministro bestial se não fosse a malfadada crise das dívidas soberanas; Passos Coelho teria sido um primeiro-ministro bestial se não fosse o malfadado programa da troika e os chumbos do Tribunal Constitucional; António Costa teria sido um primeiro-ministro bestial se não fossem as malfadadas sanções e as imposições dos tratados que o impedem de conduzir o país até à terra onde escorre o leite e o mel. As políticas destes três senhores divergem, mas as desculpas, essas, convergem. É assim desde sempre. A ausência de uma cultura liberal e a falta de fé nas capacidades de cada um é compensada com a criação de uma extraordinária máquina de produzir desculpas que funciona a todo o vapor desde tempos imemoriais. É a máquina dos “ses”. Nós teríamos conseguido, se…; nós teríamos vencido, se…; nós teríamos atingido, se…

A Taça das Zero Sanções é menos um “se…” no nosso caminho, menos uma desculpa para juntar à pilha. Com a vitória, veio também a conta: consolidação de mais 450 milhões em 2016 e proposta para aumentar o IVA em produtos com taxa reduzida. Isso parece-se demasiado com o plano B que António Costa disse que não existia. Logo se verá. O fundamental é isto: dar espaço ao Governo para ganhar ou perder por si próprio. Sem mais “ses”. Sem mais desculpas.

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