A ruptura iminente dos serviços públicos

1. Não se pode deixar passar em claro um desenvolvimento da situação social do país que tem sido disfarçado e escondido por uma ardilosa estratégia de comunicação – uma “novilíngua” orwelliana e um linguajar de propaganda – a que voltarei noutra crónica. Existe um silêncio sepulcral e inexplicável à volta da situação periclitante dos serviços públicos no país, que só uma imprensa complacente e a domesticação dos sindicatos pode explicar. É hoje manifesto que os serviços de saúde estão à beira da ruptura. Para quem diz defender o Estado social e o Serviço Nacional de Saúde, este Governo e os seus cúmplices da esquerda radical desferiram um golpe brutal no sistema, sem qualquer paralelo nos últimos quarenta anos. A quantidade de consultas e cirurgias que têm sido adiadas sem explicação plausível é crescente. A quantidade de exames que não podem ser realizados por falta de manutenção dos aparelhos dos hospitais é incontável. A subida vertiginosa da dívida dos hospitais, que deixaram de fazer pagamentos, é escandalosa. Ao contrário do que foi sempre propalado pelos actuais detentores do poder – que agora destroem sem apelo nem agravo o serviço público de saúde –, o anterior Governo, pela mão de Paulo Macedo, fez um enorme esforço para tornar sustentável e solvente o sistema de saúde. E, isso sim, é defender, garantir e cultivar o Estado social. Estes senhores – que gastam e haurem a palavra “social” de tanto a usarem – não se coíbem de, para esconder o despesismo estéril a que se votaram, fazer cativações que afectam os mais elementares e indispensáveis cuidados de saúde. Não culpo o Ministro da pasta nem a sua equipa que, em boa verdade, parecem ter uma visão da sustentabilidade futura do sistema e gostariam de continuar na boa direcção do Governo anterior, mesmo que com correcções de rota. É o embuste de Costa e de Centeno – apadrinhado pelo Bloco e pelo PCP – que é responsável por este abandono da saúde, prejudicando todos os cidadãos e, em especial, os mais pobres e vulneráveis. O foguetório da devolução imediata e total de rendimentos tem um preço e os portugueses estão a pagá-lo do modo mais duro: o vibrar de um golpe de misericórdia na qualidade do sistema de saúde, por certo a mais importante conquista social da nossa democracia

 

2. O colapso iminente dos serviços públicos, porém, não fica por aqui. Na educação, onde se encenou um início regular do ano lectivo, a ruptura dos serviços escolares está instalada. Basta pensar na falta de pessoal auxiliar em quase todas as escolas, cujo recrutamento foi travado pelas cativações que garantem a sempre evocada reposição integral de rendimentos, para perceber as graves deficiências de funcionamento que o sistema enfrenta. Já não bastava a política surrealista do Ministro da Educação e dos seus inefáveis Secretários de Estado, só faltava mesmo a falência das mais básicas condições de funcionamento das escolas. As esquerdas radicais e o PS não se calam com a defesa da escola pública, mas a verdade é que tudo estão a fazer para a destruir, impedindo na prática o seu funcionamento. Defender a escola pública não é gritar desaustinadamente contra as instituições privadas, a Igreja Católica ou o sector social. Isso é fácil, é audível, mas não resolve nenhum problema de alunos, pais, professores, auxiliares e de todos os que diariamente trabalham para qualificar os jovens portugueses. Defender a escola pública e o papel social do Estado no ensino e na educação é não fazer cortes abruptos, que impossibilitam o normal funcionamento das escolas. Para levar a cabo a política de rendimentos a que se vincularam, Costa, Centeno, Mário Nogueira, o PCP e o Bloco não hesitam em privar o sistema escolar de recursos absolutamente indispensáveis ao quotidiano das escolas. Para quem enche a boca com o Estado social e o ensino público, aí está a grande hipocrisia orçamental.    

 

3. O único sector em que não subsiste ainda um estranho silenciamento, próprio da paz podre que antecede todos os movimentos de colapso e derrocada, é o sector dos transportes públicos. Aí a vergonha em que se tornou a ruína do metropolitano de Lisboa, embora não faça títulos, já não é escondida nem simplesmente comentada em voz baixa. O esgotamento dos bilhetes que já havia acontecido no metro do Porto e que obriga a longuíssimas filas e aos mais atávicos incómodos para os passageiros é apenas a ponta visível do iceberg. A supressão de carreiras dentro das várias linhas, os atrasos sistemáticos, a paragem do material circulante por falta de dinheiro para manutenção são a prova provada de que este Governo e os seus apoiantes radicais, para fazerem flores com certos sectores da população, deixam o Estado social à míngua. E, de uma assentada, mesmo a esses sectores que dizem beneficiar, dão com uma mão o que tiram com a outra. Dão-lhes através da reposição mais alguma disponibilidade financeira, mas depois suprimem cuidados hospitalares, deixam a escola a funcionar em modo intermitente, privam-nos de transporte colectivo. E muito provavelmente a pouca folga que ganharam é despendida no colmatar das brechas e crateras que o Governo PS-Bloco-PCP abriu e continua a abrir no Estado social. 

 

4. Ainda nem todos tomaram consciência de que o Governo e os seus parceiros, para se ufanarem de eventualmente atingir a meta do défice – propósito que dantes execravam –, estão a escavacar o Estado social. Não o fazem no plano da legislação, nem o admitem no plano do discurso, mas desmantelam-no todos os dias, sufocam-no até limites inauditos, põem-no sob a pressão da penúria, do adiamento e do esvaziamento. Não deixa de ser irónico que Portugal, enquanto esteve sob assistência financeira internacional e sob o controlo férreo da troika, tivesse os serviços sociais a funcionar melhor e mais eficazmente do que nestes dias de aparente e celebrado relaxe e alívio. Ainda vamos acabar a concluir que “geringonça” trata pior o Estado social do que a troika…

 

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