“A relação com Angola não se alterou, continuamos a trabalhar”

Em entrevista ao PÚBLICO e à Rádio Renascença, o chefe da diplomacia portuguesa não mostra o mínimo sinal de tensão quando fala de Angola ou Moçambique. Diz que "todas as relações bilaterais têm questões", mas que continua "a exprimir confiança — e não é apenas por obrigação profissional".

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Santos Silva ao PÚBLICO e Renascença: “Todas as relações bilaterais têm questões” Miguel Manso

Portugal não se cansa de dizer que a relação entre Portugal e os PALOP e entre a Europa e África é "estratégica", mas os nossos aliados africanos, como Angola e Moçambique, não parecem preocupados em ter uma boa relação connosco.
Não diria assim. Não vejo de Moçambique nenhum sinal de distanciamento, muito menos de perturbação da relação bilateral.

Mas Maputo esteve oito meses sem responder diligências feitas a todos os níveis sobre um empresário português desaparecido no Verão, incluindo uma carta do Presidente da República.
Todas as relações bilaterais têm questões, nós temos uma relação bilateral muito próxima com Espanha e temos neste momento um diferendo em torno da central de Almaraz. Temos relações de enorme proximidade com os Estados Unidos e temos ainda uma questão por resolver que é as Lages, para além do TTIP e outras questões. Em relação a Moçambique, há de facto esse problema do empresário português desaparecido. Pedimos às autoridades que nos ajudem a resolver o problema.

E obtivemos zero de resposta…
Isso também não é verdade, visto que o Presidente de Moçambique enviou o seu ministro do Interior como enviado pessoal.

Mas veio a Lisboa e não disse nada de concreto.
O que disse é que as autoridades moçambicanas estão a conduzir uma investigação policial e judicial e devo dizer que as informações de que disponho corroboram a informação. O que nós pedimos é que as investigações sejam as mais empenhadas possíveis.

Mas Maputo empurrou a responsabilidade para a Renamo e não parece haver indícios que seja esse o caso.
Não sei.

Está satisfeito com as respostas que obteve sobre este caso?
A resposta é óbvia: nunca estamos satisfeitos. Mesmo nas relações bilaterais com os nossos amigos, queremos sempre mais. Em relação a Moçambique, a questão que se coloca é delicada. Moçambique e Portugal compreendem quão importante é, designadamente para as relações económicas entre os dois países, que o clima de segurança em Moçambique seja positivo, que as pessoas tenham uma percepção positiva das suas próprias condições de segurança. Quanto a Angola, do ponto de vista do Governo português, os trabalhos de estreitamento da relação bilateral continuam. Angola fez saber que considerava “inamistosa” a forma como foi comunicada uma decisão das autoridades judiciais portuguesas. Nós explicámos aos angolanos que era preciso distinguir as coisas, que a política externa cabia ao Governo e que os processos judiciais cabem às autoridades judiciais, que são independentes do Governo.

Houve uma mudança de comportamento por parte das autoridades angolanas? Não está a ser difícil organizar as visitas de Estado que estavam já bem encaminhadas?
Falando ao meu nível, e portanto de um canal muito importante, que representa a comunicação directa — e até pessoal — entre o ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal e o ministro das Relações Exteriores de Angola, o que tenho a dizer é que essa relação não se alterou e nós continuamos a trabalhar. Agora, evidentemente, que todos compreendemos que o tempo aqui é uma variável chave. Como disse um dos primeiros grandes teóricos da diplomacia na Grécia clássica, as duas grandes armas ao dispor da diplomacia — ambas armas pacíficas — são a palavra e o tempo.

A democracia demora anos a construir, mas Angola e Moçambique não ultrapassaram os mínimos, não cruzaram as linhas vermelhas?
Continuo a exprimir confiança — e não é apenas por obrigação profissional. E a confiança tem um chão, um patamar objectivo que é a enorme densidade e a enorme riqueza das relações entre Portugal e Angola, e entre Portugal e Moçambique. Quando olhamos do ponto de vista político, diplomático, histórico, cultural, mediático, e sobretudo do ponto de vista económico, percebe-se bem a enorme densidade dessas relações. Portanto, qualquer que seja o Governo, qualquer que seja o ministro, qualquer que seja o caso ou incidente, temos que continuar a falar uns com os outros e continuar a agir uns com os outros.

É previsto que esta semana saia finalmente a acusação ao ex-primeiro-ministro José Sócrates. Espera que isso aconteça de facto?
Não tenho nenhuma razão para duvidar, foi fixado um prazo. Não tenho nenhuma indicação que me permita dizer que, até ao prazo que a própria procuradora-geral estabeleceu, o Ministério Público não venha a decidir: ou a formular uma acusação ou a arquivar.

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