A polémica Mariana Mortágua: “Essa nem é a linguagem do PS”

António Costa diz que não se reconhece em muitas partes do discurso do PCP e BE. Na segunda parte da entrevista ao PÚBLICO, o primeiro-ministro fala de diferenças “irrevogáveis” e de uma preocupação comum: o combate à desigualdade.

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A linguagem de Mariana Mortágua "não é a do Partido Socialista" São José Almeida, Vera Moutinho, Sibila Lind, David Dinis

António Costa não se revê no populismo e salienta que os quatro líderes da maioria parlamentar não têm discursos idênticos. Sobre a eventual substituição de Jerónimo de Sousa à frente do PCP, diz que gostará “sempre” dele “qualquer que seja a função”. Recusa-se a falar sobre decisões que competem ao PCP, mas sublinha que o partido “será sempre um parceiro leal na execução do programa do Governo”.

Concorda com Mariana Mortágua quando esta diz que “do ponto de vista prático, a primeira coisa que temos de fazer é perder a vergonha de ir buscar a quem está a acumular dinheiro”?
Não. Sabe que essa nem é a linguagem do PS, nem é essa a ordem de prioridade que temos. Há uma preocupação comum, certamente subjacente a essas palavras e que partilhamos. É que é necessário uma maior justiça fiscal. Isso consta, aliás, do programa eleitoral do PS, em primeiro lugar haver uma maior redistribuição da carga fiscal. Nós temos uma carga fiscal que incide sobre os rendimentos do trabalho absolutamente desproporcionada em relação a sobre outras formas de rendimento. E para termos maior justiça fiscal não só quem ganha mais deve pagar mais do que quem ganha menos, também os rendimentos do trabalho podem ser aliviados em detrimento de outras fontes de rendimento.

Estamos, por exemplo, a eliminar a sobretaxa do IRS, já eliminámos para a generalidade das famílias portuguesas em 2016, vamos completar em 2017 aliviando quem ganha mais. Agora, para podermos suportar esta redução da tributação sobre o trabalho (como suportar o aumento de rendimentos dos pensionistas e mantermos simultaneamente um bom equilíbrio das finanças públicas), temos de redistribuir estas fontes de tributação sem aumentar o conjunto da carga fiscal. É isso que se procura fazer. E, portanto, desde o cenário macroeconómico ao programa eleitoral do PS, a tributação do património consta expressamente como uma medida que tem que ser adoptada. Está a ser calibrada, está a ser devidamente ponderada de forma a assegurar o financiamento necessário — mas também a não ser um desincentivo ao mercado do arrendamento ou uma penalização dos proprietários nas suas casas de morada.

Uma espécie de sobretaxa do IMI soft?
Sobretaxa do IMI já existe. O Governo anterior introduziu um imposto de selo que era verdadeiramente uma espécie de sobretaxa estadual do IMI. Aquilo que estamos a procurar fazer é reformular esse sistema, que tem sido pouco eficaz na tributação, de forma a ser mais eficaz.

Pelo que diz, será um imposto soft.
Qualquer cêntimo para um contribuinte não é soft. Não vou dizer se é soft se é hard. Vou dizer simplesmente o seguinte: será uma medida que contribua para termos uma maior justiça fiscal, para termos uma melhor redistribuição da base tributada e, simultaneamente, não comprometer nem o investimento nem a dinamização do mercado de arrendamento.

De todo o modo, ele irá existir e virá para o Orçamento?
Irá existir e virá para o Orçamento.

Como analisa os contornos populistas que o discurso do BE tem assumido? Nomeadamente neste episódio, mas também na defesa do referendo às sanções. Sente-se confortável com este discurso populista.
Nós temos um acordo político com o PEV, o BE e o PCP. Estamos entendidos sobre o que fazer mas respeitamos a identidade de cada um.

Mas não o incomoda o populismo?
Como porventura em muitas das coisas que alguns dos outros partidos que apoiam o Governo dizem, eu não me reconheço, é provável que eles não se reconheçam nas coisas que eu digo. O Jerónimo de Sousa costuma, aliás, dizer isso de uma forma bastante clara: este não é o nosso Governo, este é o Governo do PS. E ninguém tem dúvidas quando o Jerónimo de Sousa fala, quando a Catarina Martins fala, quando a Heloísa Apolónia fala ou quando eu falo. Não falamos por todos, cada um fala por si e pelo seu próprio partido.

Admito que seja estranho, sobretudo depois de quatro anos onde tivemos uma coligação que assentava no esmagamento da diferença do outro e em que a solidez da coligação passava pelo CDS ter de revogar sistematicamente aquilo que considerava que era irrevogável. Esta solução governativa não exige a ninguém que revogue o que é irrevogável. Cada um pode estar confortável na sua própria identidade, respeitando as diferenças e sem ter de se confundir com aquilo que é a diferença dos outros. E acho que isso é muito positivo e rico para a nossa democracia.

O PCP vai ter congresso e apresentou as novas Teses. Acha que o entendimento de governação mudou de alguma maneira o PCP e o BE?
Todos os dias todos nós mudamos. Esta é uma experiência nova, obviamente, em que todos nós temos aprendido bem a trabalhar uns com os outros — e temos sobretudo aprendido rápido. A melhor demonstração disso é que há um ano ninguém acreditava que a solução tivesse sido possível, que resistisse ao primeiro Orçamento, que resistisse depois ao Programa de Estabilidade e Crescimento, que resistisse às diferentes provas a que foi sendo submetida. E a verdade é que, ao fim de um ano, hoje, pouca gente duvida da solidez desta solução e da forma como asseguramos a essência de estabilidade do país.

Gostaria de ver Jerónimo continuar à frente do PCP?
Gosto do Jerónimo de Sousa e gostarei do Jerónimo de Sousa sempre qualquer que seja a função. Aliás, é dos líderes partidários que mais generalizadamente reúne simpatia na sociedade portuguesa. Mas não me compete a mim estar a pronunciar-me sobre coisas que dizem exclusivamente respeito ao PCP. Sem prejuízo do contributo essencial que o Jerónimo de Sousa tem dado para o sucesso deste processo de mudança em Portugal e para esta solução governativa, não tenho dúvidas nenhumas que o PCP, independentemente de quem esteja à frente da sua liderança, será sempre um parceiro leal na execução do programa do Governo.

Vê que esta solução de Governo seja possível numa segunda legislatura ou vê-a mais como uma solução transitória?
É a solução que temos e é a solução, certamente, que perdurará enquanto der resultados positivos e enquanto sentirmos que todos juntos podemos fazer mais e melhor do que cada um em separado. Tenho uma avaliação francamente positiva desta solução, defendi-a antes das eleições, defendi-a depois das eleições, todos os dias procuro contribuir para que ela tenha sucesso. Portanto acho que temos de ter uma perspectiva aberta e positiva quanto ao futuro. E o futuro o dirá.

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Primeira parte da entrevista

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