Dois fatos para um Macedo

Sem surpresa, António Costa chamou um político. Garantiu com isso a paz política na Caixa, que bem precisa dela. Mas agora precisa de o deixar ser um gestor.

Por muitas qualidades que Paulo Macedo tenha, esta tornou-se a sua maior: o ex-ministro da Saúde, de quem a esquerda disse o que Maomé não diria do toucinho, é agora um homem recebido com tranquilidade, mesmo que não com "amizade" (como disse ontem Catarina Martins). 

Olhando para as reacções, percebe-se a escolha do Governo. A partir daqui, dificilmente o PSD terá muito mais a dizer do processo de recapitalização da Caixa; e com a entrega da declaração de rendimentos, nem o BE nem o PCP terão margem para grandes contestações. Subitamente até a comissão de inquérito se perspectiva um bocejante programa do Canal História.

Sim, na actual conjuntura do país, já só um político conseguiria sentar-se no último andar da Av. João XXI, em Lisboa, sem ser alvo de bombardeamentos constantes. Mas, para ter sucesso na Caixa, Macedo terá que posicionar-se acima do sistema político. Porque só um banqueiro de fato inteiro conseguirá aplicar o plano exigente que está prometido a Bruxelas e Frankfurt e se tornou condição sine qua non para que o banco público receba uma injecção de capital e se mantenha como tal.

Mário Centeno foi muito claro a definir essa missão quando chamou António Domingues: a Caixa precisa de uma gestão profissional, precisa de ser um banco público igual aos privados. Não foi por convicção, mas por necessidade. Só assim se podia convencer os supervisores de que a recapitalização podia fugir à classificação de "ajuda de Estado", que levaria a uma resolução, que obrigaria a um "bail-in" - a maneira mais técnica de dizer que afectaria depositantes e investidores. Ou de dizer que a Caixa pública estaria em risco.

Nos escassos meses da gestão Domingues, Mário Centeno conseguiu essa solução. E eis o que sobra agora para Paulo Macedo: garantir que isso passa do papel timbrado às contas do banco. 

Se olharmos para as notas da DBRS e da S&P desta semana, tudo isto se traduz num fino equilíbrio: que melhore a qualidade dos activos e os resultados do banco, arriscando mais imparidades e menos risco no apoio à economia; pede-se que consiga uma colocação de dívida privada, mas abaixo do preço do muito contestado empréstimo do Estado, nos tempos da troika

Sim, Paulo Macedo tem um ponto de partida: é um político hábil, que se tornou consensual pelas circunstâncias do antecessor. E, sim, Macedo tem uma caminho difícil, porque precisa de se apresentar a Frankfurt e aos mercados como um gestor profissional. A primeira dúvida desta sua nova etapa não é se Paulo Macedo consegue vestir dois fatos ao mesmo tempo - isso ele já mostrou conseguir. É se a conjuntura o permite e se esta maioria o deixa.

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