A liberdade de Costa em campanha termina onde começam as câmaras do PCP

Candidatos socialistas não pouparam nas críticas aos autarcas comunistas. De Costa nem uma palavra. Foi prometer investimentos ao Alentejo, do alargamento do Alqueva a estradas, um hospital e uma linha ferroviária.

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Miguel Manso
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Um candidato socialista dizia que a “presença” de António Costa era “um estímulo”. E, na verdade, António Costa não foi fazer muito mais do que marcar presença na campanha autárquica em Beja e Évora, duas câmaras que o PS quer reaver, roubando-as ao PCP. Passou ligeirinho nas duas capitais de distrito do Baixo Alentejo, aonde foi participar em dois comícios entre socialistas já convencidos na intenção de voto, discursando sobre o que os socialistas, a nível nacional, fizeram pelas autarquias. Tudo sem nunca criticar ou sequer mencionar o PCP.

E esta foi uma obra difícil. É que tanto em Beja como em Évora a luta faz-se a dois e António Costa andou nesse equilíbrio precário de apoiar os candidatos do partido - para isso diz que os apoia “de forma incondicional” - , e de não ferir com gravidade os parceiros no Governo. "Aqueles que diziam que ele não viria a Beja, porque isso não era bom para a 'geringonça'… Aqui está o partido da tolerância”, disse Paulo Arsénio, candidato socialista. Este era um desejo dos socialistas que Costa cumpriu, mas arranjou uma maneira de andar a fazer campanha pelos bastiões comunistas, tal como tinha feito na sexta-feira em Setúbal, sem beliscar o orgulho dos parceiros.

O partido não poderá dizer que fez um pacto de não-agressão, fez um pacto de campanha não-agressiva ou, por outras palavras, tendo um Orçamento do Estado para negociar, a liberdade de Costa em campanha termina onde começam as câmaras do PCP e isso foi evidente nas acções de campanha, que não passaram pela rua, pelas acções de contacto com a população, mas apenas por ambientes controlados, cheios de militantes e simpatizantes do PS.

Nos dois discursos – o de Beja bastante curto – Costa pediu mais “força ao PS” e até referiu que não está nestas eleições só “para defender as câmaras já ganhas”. O objectivo é o de lutar em cada freguesia, município, para que o PS continue a ser o partido com mais câmaras e, por isso, com a presidência da Associação Nacional de Municípios Portugueses. Mas essa frase, dita em Beja, serve também para dizer, mesmo que de forma indirecta e sem nunca o dizer preto no branco, que quer ganhar câmaras ao PCP, num distrito onde os comunistas e socialistas dividem as presidências dos municípios, oito para o PCP, seis para o PS.

Costa é por estes dias, e por força das circunstâncias, um primeiro-ministro que se passeia pelo país como secretário-geral do PS. Mas isso não quer dizer que passe a fazer mais discursos desligados da acção do Governo ou das condicionantes que tem no executivo, dependente do voto dos partidos de esquerda. Nos dois concelhos, coração do Alentejo e do poder do PCP, Costa compareceu, Costa falou, Costa elogiou os candidatos e autarcas do PS, mas não criticou a gestão autárquica que nestas terras se faz pelas mãos do PCP. Isso ficou a cargo dos candidatos socialistas, para quem o apoio do líder traduziu-se mais no elogio da acção do Governo do que nas críticas, que não fez, ao partido que governa Beja e Évora.

Nos dois concelhos, Costa pediu “mais força para o PS”, para que a “mudança” dos “últimos dois anos “não fique a meio caminho”. “Temos metade do caminho ainda por percorrer e, para percorrer a metade que falta, é necessário agora dar força ao PS para dar continuidade a esta mudança de política que iniciámos há dois anos”, disse em Beja. Em Évora, num palco montado no jardim público, repetiu a fórmula, defendendo que “ninguém tem dúvidas de que Portugal está melhor. Factos são factos e a realidade desmente todos os dias o discurso da oposição sobre o estado do nosso país”.

O guião usado nas duas localidades foi tirado a papel químico. Nos dois discursos aos militantes do PS, Costa usou a acção no Governo, dizendo que os candidatos “podem contar com o PS a nível nacional”. E, para cimentar a ideia, falou das várias medidas que têm sido aplicadas nos distritos e das que vai pôr em prática. Alqueva em primeiro e em lugar central.

Em Beja lembrou a conclusão das obras de recuperação do IP2 – “obras que estiveram paradas durante quatro anos”, lembrou -, a construção da A26, que sai de Sines e estava previsto chegar a Espanha, e que será a única auto-estrada que passará por Beja, a aprovação em Conselho de Ministros de um contrato de investimento da AeroNeo, para o aeroporto de Beja.

Em Évora prometeu a conclusão do Hospital Central do Alentejo e da linha ferroviária que ligará a região a Espanha. “Sempre que o PS esteve no Governo, nunca esqueceu Évora e sempre contribuiu para mudanças significativas no desenvolvimento deste distrito”, defendeu.

Ao contrário do secretário-geral do partido, os candidatos não pouparam nas críticas aos adversários. A luta, tanto em Beja como em Évora, é viva entre os dois partidos e enraizada em anos de luta contra a ditadura. Passados mais de 40 anos, o peso da história ainda é grande e foi talvez por isso que há quatro anos os socialistas perderam as duas câmaras para históricos autarcas comunistas que migraram de concelhos vizinhos - João Rocha, de Serpa para Beja, e Carlos Pinto de Sá, de Montemor-o-Novo para Évora. Quatro anos volvidos, nos dois concelhos, o PS quer retomar o poder e, para isso, os candidatos carregaram nas críticas aos presidentes actuais.

Em Évora, a candidata Elsa Teigão, arrasou o trabalho do comunista. ”Os últimos quatro anos com a CDU foram uma desilusão para muitos e foram com certeza um desastre para todos. Foram anos em que a CDU mumificou Évora. Assistimos a um regresso ao passado”, disse. Évora ainda está sob a alçada do programa de ajustamento, por causa da dívida, e a autarca não tem dúvidas em dizer que “80% da dívida é culpa do PCP”. Por aqui a disputa é renhida, uma vez que o ex-presidente da câmara, José Ernesto, foi condenado por peculato, tendo encurtado o mandato. O substituto, Manuel Melgão, que acabaria por perder as eleições de 2013, acredita, em conversa com o PÚBLICO, que aqui o facto de a "geringonça" existir “não é boa nem é má": "Não entra na campanha, porque o desgaste do PCP é natural”.

Em Beja, o ambiente é menos crispado, apesar de a diferença entre os dois partidos ter sido de apenas 300 votos em 2013. Paulo Arsénio diz, no entanto, que a postura do PCP em relação à solução do Governo é a de “ter um pé fora e outro dentro. Um na solução e outro no protesto”, jogando consoante as coisas “correm bem ou mal”.

Neste domingo, Costa passou de fugida pelo Alentejo, sem campanha porta-a-porta, arruadas ou contactos com população. Fez três comícios, terminando com um em Portalegre, num pequeno largo numa zona residencial da cidade.

E se por aqui não andou em força, nesta segunda-feira promete fazer apenas uma visita, mas em força a um concelho presidido pelo PCP, que tem sido notícia pelas acções de outro candidato, Loures. É que para ganhar estas autárquicas, é preciso “genti con repichuchi”, como lhe escreveu a comitiva barranquenha em Beja.

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