A lei de limitação de mandatos não está a funcionar

Eis que senão, passado o “quadriénio sabático”, o regresso dos “antigos” autarcas se faz de forma parecida à “invasão das bombocas”.

A Lei 46/2005, de 29 de Agosto, diz, resumidamente, que “o presidente de câmara municipal e o presidente de junta de freguesia só podem ser eleitos para três mandatos consecutivos [...] e depois de concluídos os mandatos referidos no número anterior, não podem assumir aquelas funções durante o quadriénio imediatamente subsequente ao último mandato consecutivo permitido”.

Quer isto dizer que a ideia seria sempre procurar renovar a democracia local, de forma a potenciar o aparecimento de novos protagonistas. Parcialmente isto foi conseguido com grande “esforço” de alguns eleitos locais, que foram, de forma obrigatória legal, impedidos de voltar a candidatar-se e dando lugar a novos, caminhando tudo para a direção que era pretendida com a lei, isto é, uma dinâmica rejuvenescida do Poder Local.

Houve, consequentemente, também a procura, por parte de muitos desses “antigos autarcas” que estavam “tapados”, de outras paragens (quando se assumiu que o “quarto” mandato já poderia ser em diferente autarquia), o que, não sendo propriamente uma “benesse” para a vitalidade cívica e participativa do sistema, não creio que pudesse constituir uma ameaça, assim os eleitores quisessem aproveitar a “experiência” de quem vem de fora e já a tinha demonstrado noutra autarquia.

Eis que senão, passado o tal “quadriénio sabático” (e estamos já a falar do tempo presente), o regresso dos “antigos” se faz de forma parecida à “invasão das bombocas”! Em todas as regiões há o regresso dos tais “bons” autarcas dos tempos do endividamento livre de constrangimentos, da contratação de recursos humanos conforme a vontade e da liberdade completa em realizar atos administrativos os quais, agora, são fiscalizados até à exaustão por múltiplas entidades. Os tais que contribuíram para que muitas câmaras (e o país) ficassem completamente exauridas de recursos e em que os ciclos pessoais se sobrepunham aos demais...

Não obstante o que acabei de dizer, e também “por causa disso”, ficaram com imagens imaculadas e de grandes fazedores de obras públicas. Ficaram com uma “aura” que os vai, seguramente, em muitos casos, possibilitar ser presidentes de autarquias a partir das próximas eleições de 1 de Outubro. E contra a boa imagem dos actores do passado, os do presente (desejavelmente do futuro) pouco ou nada poderão fazer! Alguns terão, ou já tiveram, que atirar a “toalha ao chão”.

Temos vários casos de Norte a Sul que regressam após uma demorada licença sabática, outros que apenas pediram a colegas/amigos para que o lugar ficasse “em suspenso” à espera deles. Temos aqueles que já estiveram presos por negócios direta ou indiretamente ligados à função, aqueles que andaram por todas as funções públicas que lhes foi possível fazer, ou temos ainda aqueles que se julgam/julgaram como “figuras providenciais” de inquestionável valor... Há de tudo e para todos os gostos!

Não sintam nisto qualquer “amargo de boca” ou alguma situação pessoal menos favorável — não, isso não me motivaria a escrever estas palavras. Sempre fui e continuo a ser favorável à limitação de mandatos para órgãos autárquicos, defendendo, como muitos, que essa limitação deverá ser extensível a todos os outros cargos públicos.

É fundamental que continuemos a dar idênticas oportunidades de candidatura e escolha ao maior número possível de cidadãos. É essencial que outros protagonistas, fruto do tempo e da conjuntura que atravessamos, assumam responsabilidades executivas e possam decidir de acordo com o novo paradigma de um poder mais próximo das pessoas. Não podemos, constantemente, estar a votar caras antigas para novos cargos que serão decisivos para o nosso futuro coletivo.

Espera-se, sinceramente, que esta tendência seja passageira e que os que tiveram um papel importante há alguns mandatos atrás sejam reconhecidos e apreciados como o são os que desempenham uma função com mérito e dedicação. Agora não nos peçam que sejam sempre os mesmos a fazer a mesma coisa, como se não houvesse mais ninguém... Isso não é democraticamente saudável e tudo o que corrói a democracia deverá ser evitado. Se não pagarmos agora a fatura, pagaremos, de certeza, mais tarde!

Nota: sou presidente de câmara municipal até 1 de Outubro deste ano, terminando nessa altura o último dos três mandatos seguidos, autorizados por lei. Sou o segundo presidente mais novo do país abrangido por essa obrigação legal que sempre defendi e continuarei a defender.

O autor escreve segundo as normas do novo Acordo Ortográfico

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