A inclusão e as eleições presidenciais

Que escreveram, que dizem os nossos dez candidatos presidenciais sobre a inclusão?

Lembro de uma frase do filósofo alemão Jürgen Habermas: “Quantas mudanças radicais haveria se os direitos humanos fossem levados a sério”. Habermas acorda a nossa atenção para a leviandade com que são evocados os direitos humanos, ao mesmo tempo que os infringimos de forma tão grosseira. Basta fazermos o exercício de pensar o que teria de ser mudado na nossa sociedade e no mundo para que fosse cumprido o primeiro dos direitos humanos: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade”.

Poderíamos, de forma semelhante, perguntar quantas mudanças era necessário fazer para que o valor da “inclusão” fosse levado a sério. Certamente mudanças profundas, em muitos âmbitos, e mudanças que não podiam ser só de forma, mas de conteúdo e de forma de pensar. Tanto os valores dos direitos humanos como os da inclusão têm sofrido uma grande usura por serem usados a “torto e a direito”. O profeta do Antigo Testamento Moisés já tinha antevisto este problema de evocar valores sem a menor vontade de os cumprir quando escolheu como segundo mandamento do decálogo “Não invocar o nome de Deus em vão”. Os direitos humanos, tal como a inclusão, têm sido evocados muitas vezes em vão. Curiosamente, esta evocação, mesmo que nem sempre sincera, parece benigna. Evocar a inclusão, trazê-la para a discussão, problematizar as suas possibilidades, tentar encontrar formas de a fazer prevalecer, é um processo útil por lembrar a sua importância e urgência no discurso quotidiano. 

Vão longe os tempos em que um grupo parlamentar declarou na Assembleia da República que a inclusão era prejudicial à educação e a razão da sua falta de qualidade. Assistimos mesmo nos dias de hoje a uma valorização da palavra e do conceito. Três exemplos: a criação da Secretaria de Estado para a Inclusão das Pessoas com Deficiência, as repetidas alusões do primeiro-ministro ao conceito e as declarações do ministro da Educação no Parlamento, ao citar explicitamente que os objetivos da atual equipa governativa vão no sentido de promover uma educação inclusiva. 

E as eleições presidenciais? Que escreveram, que dizem os nossos dez candidatos presidenciais, sobre a inclusão? No que se refere à “magistratura de influência” que está implícita nas funções do Presidente da República, a inclusão tem lugar nas declarações de princípios de alguns candidatos enquanto valor que deve florescer em múltiplos contextos e que é claramente transversal. Umas vezes evocada como “combate à exclusão”, outras como “promoção da inclusão”, ficamos esclarecidos que, pelo menos ao nível das intenções, os nossos candidatos, se forem eleitos e se cumprirem o seu programa, promoverão e valorizarão a inclusão. Não é por aqui que “vem o mal ao mundo”.

A questão é talvez mais a de saber que tem autoridade, conhecimento, capacidade de negociação e de cimentada convicção para eleger a inclusão com um dos pontos mais importante do seu mandato. Talvez uma das provas de fogo para aquilatar desta convicção seja escrutinar quem é que antes de ser candidato falou e se envolveu em processos de valorização da inclusão. Quem se chegou à frente para eleger a desigualdade como uma chaga nacional, quem se preocupou com o tratamento que em Portugal é dado aos pobres e às minorias, quem se pronunciou — e dizendo o quê — sobre a crise dos refugiados, quem falou em escola inclusiva, quem desafiou as políticas de austeridade que ceifaram os recursos que nos permitiriam ter uma sociedade mais inclusiva… Enfim… Destes candidatos quem são (quem é…) os que não são “marinheiros de primeira viagem” nestes assuntos...

É voz corrente (que não quer necessariamente dizer que seja verdadeira…) que nas campanhas eleitorais se diz tudo o que seja preciso para conquistar votos. De repente, até encontramos no vocabulário dos candidatos palavras que antes não tinham dito e que claramente foram acrescentadas para corrigir politicamente os seus discursos.

Nestas eleições presidenciais, quem considera que a inclusão é um valor humano, é um direito humano, é um combate justo e urgente para a nossa sociedade e para o nosso mundo, de procurar conhecer qual é o tempo em que o conceito de inclusão apareceu no discurso dos candidatos? É algo de estrutural ou é um adorno que se tem que colocar no discurso “porque está na moda” e porque “fica bem”?

Cada dia percebemos melhor qual a importância da Educação. Para escolher em consciência um candidato não basta selecionar a “primeira impressão”, não basta mesmo ler e ouvir o que ele tem agora para dizer: interessa ter capacidade para analisar, para comparar e sobretudo acompanhar de forma participativa os valores que são consequentes e autênticos dos participantes desta eleição.

E fica então este convite para olharmos os candidatos: qual deles nos oferece confiança tanto pelos seus valores como pelas suas palavras que assumiu antes da candidatura de ser um Presidente que defenda a equidade, que defenda a educação inclusiva, que defenda consequentemente as políticas que combatam a desigualdade? É esse que nos interessa.

Presidente da Pró-Inclusão — Associação Nacional de Docentes de Educação Especial, conselheiro nacional de Educação

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