A importância de Costa e de Jerónimo

A ruptura entre esquerda e direita é a característica mais importante do que é o novo sistema parlamentar nascido a 4 de Outubro.

O falhanço da eleição parlamentar do antigo dirigente do PS e primeiro ministro da Saúde do Governo de José Sócrates, António Correia de Campos, para presidente do Conselho Económico e Social (CES), não significa apenas que, ao abrigo do voto secreto, muitos dos deputados do PSD e do PS não sufragaram o acordo assinado entre os líderes das duas bancadas.

É verdade que a votação em que Correia de Campos falhou a presidência da Concertação Social — ao obter apenas 105 dos 146 votos que eram necessários para atingir a maioria absoluta — permite a leitura de que não só Luís Montenegro mas também Carlos César saem desautorizados. A desobediência põe igualmente em causa a autoridade dos líderes partidários, António Cos te e Pedro Passos Coelho.

Mas o insucesso desta eleição mostra também o que há de inédito na primeira sessão legislativa da XIII Legislatura. O acordo entre PS e PSD para a eleição do CES foi apenas formal e não real, porque foi uma reminiscência de uma outra fase histórica do parlamentarismo pós 25 de Abril que vigorou até Outubro. Esse, sim, assente numa lógica de bloco central, de consensos de centro estabelecidos em torno da integração europeia, da participação no Euro, nas revisões constitucionais. E a que se somou depois o CDS de Paulo Portas, dando origem ao chamado arco da governação.

Uma explicação possível para o que se passou quarta-feira no Parlamento é o facto de quer os deputados do PS quer os do PSD não se sentirem minimamente comprometidos a respeitar um acordo feito dentro de uma lógica de consenso de bloco central que já só artificialmente pode ser recriada. Aliás, nesse domínio, esta votação é apenas uma correspondente óbvia à votação para a eleição do presidente da Assembleia da República.

A ruptura entre esquerda e direita é a característica mais importante do que é o novo sistema parlamentar nascido a 4 de Outubro. O processo começou com o desvio do PSD à direita, protagonizado pelo Governo da coligação PSD-CDS liderado por Pedro Passos Coelho, que se candidatou a eleições em 2011 com um projecto de refundação do regime assente na sua proposta de revisão constitucional.

Agora a ruptura completou-se com o desvio do PS à esquerda. Dando início a um tipo de entendimento parlamentar absolutamente novo em Portugal: a existência de um Governo do PS apoiado pelo PCP e pelo BE. Um Governo que tem levado a cabo um programa político caracterizado precisamente por reverter o que foram as políticas do PSD-CDS de diminuição os direitos e os rendimentos dos trabalhadores. Mas que também tem assumido bandeiras que claramente defendem os interesses dos trabalhadores, como o alargamento dos contractos — medida contida no programa eleitoral do PS. Uma solução de Governo inédita do ponto de vista político, mas que o foi também do ponto de vista formal, ao negar o direito a governar à força mais votada a 4 de Outubro, derrubando-a no Parlamento, e formando um Governo alternativo com a segunda força mais votada e com o apoio da maioria de esquerda.

Embora os acordos assinados à esquerda tenham sido protagonizados por quatro partidos, o que é facto é que há dois líderes que sobressaem como os principais responsáveis desta ruptura. A cabeça, o actual primeiro-ministro, António Costa, que logo em 2014 assumiu na sua moção às primárias que estava apostado em puxar para a governação os partidos à sua esquerda e rebentar com o consenso do arco da governação. O país pode não ter percebido, a maioria dos jornalistas e dos comentadores pode ter desvalorizado ou nem sequer reparado. Mas estava lá escrito, para quem quisesse ler.

É certo que, se o PS tivesse ganho as legislativas de 4 de Outubro, talvez não tivesse sido tão rápido e tão fácil formar Governo com o apoio da esquerda. A posição de fragilidade política em que o PS se encontrava facilitou a ida a jogo do PCP e do BE. Mas a visão política de António Costa e a sua capacidade de ousar o que nunca nenhum líder do PS tinha arriscado, torna o primeiro-ministro um protagonista pioneiro de uma nova época político-parlamentar.

Não menos vencedor é Jerónimo de Sousa. Num partido que vive do e em colectivo como o PCP, o secretário-geral dos comunistas portugueses foi a cara visível de uma disponibilidade para o entendimento com o PS, que foi desarmante para os socialistas mas sobretudo para o BE, que até passou uma reunião de sexta-feira para segunda e acabou por ter de correr atrás dos acontecimentos.

A declaração feita por Jerónimo de Sousa, no final da reunião com António Costa, a 7 de Outubro à noite, na sede da Soeiro Pereira Gomes, com toda a sua carga histórica, de que o PS só não formava Governo com o apoio dos comunistas se não quisesse, foi vital para o processo. Isto porque abriu a porta a um novo tempo parlamentar, onde não cabem consensos mornos de centro, como o que pretendia eleger Correia de Campos.

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