Dívida: PS e BE alinham em soluções negociadas

O tema da dívida sobe a plenário esta semana, por iniciativa do PCP, que marcou um debate de urgência. Relatório do grupo de trabalho sai muito em breve e privilegia cenários negociados, não de ruptura.

Foto
Pedro Filipe Soares garante que BE vai insistir na reestruturação Enric Vives-Rubio

Antecipar uma data para o relatório do grupo de trabalho sobre a sustentabilidade da dívida pública já é um exercício arriscado. Até agora, está sempre "quase pronto", mas todas as datas que foram sendo avançadas falharam e o grupo, que já devia ir no segundo documento sobre o tema, nem uma linha apresentou. 

Ao que apurou o PÚBLICO, o documento esteve mesmo pronto em Dezembro, mas o grupo de trabalho acabou por optar por fazer uma actualização de dados, para que lá constassem os números do final de 2016. Há também, no mesmo documento, "algumas soluções" para ajudar a resolver o problema, que identificam e quantificam opções que estão na mão do Governo aplicar ou outras que implicam "negociação com os parceiros". Em qualquer caso, confirmou o PÚBLICO, está excluído do relatório o cenário de uma renegociação unilateral, a que colocaria o Governo numa posição mais frágil.

Um exemplo de negociação que o PÚBLICO já conseguiu confirmar é o de um pagamento prioritário da dívida ao FMI, dado o custo superior que esta tem face à média da dívida suportada pelo Estado. O problema, neste caso, é que todos os pagamentos antecipados obrigam Portugal a pedir autorização externa - desde logo às instituições europeias, já que quando se atinge um limite de pagamentos em falta o Fundo deixa de realizar as acções de monitorização regulares que faz actualmente a Portugal. “O mesmo aconteceu com a Irlanda: a parcela barata do empréstimo não foi paga. Pagaram até ao limite da quota. Até porque as entidades europeias queriam manter o FMI envolvido nas missões de avaliação pós-programa”, explicou Cristina Casalinho (presidente do IGCP) numa recente entrevista ao PÚBLICO.

Com metade dessa dívida paga, Portugal está com cerca de 14,5 mil milhões de euros em dívida ao Fundo. Nesta fase, a expectativa do IGCP é que as Finanças formalizem um pedido de pagamento antecipado de mais dez mil milhões de euros, deixando "apenas" o restante por pagar. Para percebermos o grau de poupanças que isto permitiria, as duas tanches pagas em Novembro, de 2 mil milhões, deram uma poupança de 40 milhões em juros

À espera de Godot? 

Neste momento, para a apresentação do relatório faltarão meros detalhes técnicos - e uma discussão política sobre os termos a usar. É preciso que o texto satisfaça PS e Bloco de Esquerda, partidos com posições diferentes sobre o tema e que terão de pesar cada palavra do relatório.

Mas o atraso é relativizado: apesar de estar inscrita na posição conjunta entre PS e BE a meta de apresentação de relatórios semestrais, o deputado bloquista Pedro Filipe Soares diz que o grupo, que começou a trabalhar há um ano, adoptou outra metodologia e que, mais do que conseguir ter relatórios semestrais, quer é apresentar um “trabalho coerente, válido e inatacável”, o que exige “tempo” e “debate”, já que os partidos ali representados (PS, BE e, também, independentes) “não partem de pontos de vista idênticos”.

PÚBLICO -
Aumentar

Pedro Filipe Soares acredita, porém, que “nas próximas semanas” já deverá haver um resultado daquelas reuniões, mas recusa antecipar as conclusões: “Ainda estamos a trabalhar e não queria antecipar resultados do grupo.”

O economista e ex-coordenador do Bloco, Francisco Louçã, que também está no grupo, defende há muito uma reestruturação da dívida. Recentemente voltou a insistir que a dívida não era sustentável e que, entre outras condições, Portugal a reduziria em cerca de 40 pontos percentuais do PIB se o juro fosse 1%. Ao PÚBLICO, reafirmou que não há possibilidade de sustentar os juros da dívida e que todas as projecções concluem que é insustentável.

A pressão de Louçã

“Estão a pedir a Portugal que responda à dívida que foi acumulada pelo aumento dos juros, com uma política que nenhum outro país conseguiu fazer”, tinha já dito na semana passada, em Águeda. Citado pela agência Lusa, Francisco Louçã acrescentou que “não há nenhuma economia europeia, nem a grega, que tenha um pagamento de juros tão importante na escala do seu produto” como a portuguesa. 

Ao PÚBLICO, reafirmou o que tinha dito e sublinhou que “não é simplesmente possível manter” esta “forma de punição da economia portuguesa”. E até citou a entrevista do antigo Presidente da República, Cavaco Silva, ao PÚBLICO, para dizer que concordava com a passagem em que o social-democrata diz que, se o presidente norte-americano “seguir uma política expansionista de mais obras públicas, isso estimulará o crescimento económico, a valorização do dólar - e o Banco Central norte-americano subirá as taxas de juro. Nesse caso, vão ganhar força aqueles que na Europa - e na Alemanha existem muitos - acham que o BCE está a fazer demais no quatitative easing, isto é na compra de títulos da dívida pública de Estados-membros e a manter taxas de juro muito baixas”.

Apesar de Louçã defender uma reestruturação da dívida e Cavaco Silva não, o ex-dirigente bloquista entende que a “redução progressiva” do programa do BCE e a “pressão dos EUA para aumentos da taxa de juro são ameaças directas a Portugal”.

Quanto ao debate de urgência requerido pelo Grupo Parlamentar do PCP, sobre a dívida pública, marcado já para esta quinta-feira, Pedro Filipe Soares adianta apenas que o Bloco defenderá a posição de sempre, pela reestruturação da dívida. “Nós temos a nossa posição clara: o custo da dívida pública na vida das pessoas é exorbitante”.

* Com David Dinis

Sugerir correcção
Ler 1 comentários