“A década do euro aprofundou o quadro de divergência entre os Estados”, considera Vitorino

Os responsáveis do PS com experiência na política europeia vieram à rentreé do partido falar das “mazelas da nossa Europa” em discursos em que “desigualdade” foi a palavra mais repetida.

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António Vitorino foi à rentrée do PS Daniel Rocha

António Vitorino, antigo comissário europeu, foi desde o Brexit ao desemprego jovem para traçar um retrato pouco risonho da União Europeia, na conferência de rentrée do PS, que decorre em Coimbra. “A década do euro aprofundou o quadro de divergência entre os Estados”, afirmou o socialista na conferência do partido, em Coimbra. “Há défices de competitividade e de produtividade dentro dos países da zona euro que têm que ser respondidos também através das transformações necessárias às regras do funcionamento do euro”, assumiu.

“Já tínhamos um problema sério de desigualdade e a austeridade como resposta à crise agravou ainda mais” essa situação, disse Vitorino, para quem a maior ameaça ao projecto europeu é o facto de a Europa se preocupar muito mais com os “ganhadores da globalização e não com aqueles que se sentem marginalizados”.

O antigo comissário sublinhou o perfil da população que votou pelo Brexit: pessoas com maior idade, de baixas qualificações e que vivem em zonas económicas deprimidas. Um perfil, apontou, que se pode encontrar “em vários países da Europa continental”. E é aí que reside o perigo, identifica Vitorino, numa população que “pode ser mais vulnerável a discursos racistas e xenófobos” que fazem propostas “fáceis de compreender” mas “inexequíveis”.

O socialista parte da decisão dos eleitores britânicos de abandonar a União Europeia e a polarização das eleições norte-americanas para identificar uma “linha de fractura”. “Este caldo de cultura dos marginalizados da globalização é o caldo social daqueles que foram mas seriamente atingidos pelo crescimento das desigualdades”, aponta o socialista.

Uma globalização que, se tirou da pobreza milhões de pessoas em países como China, Brasil e Indonésia, “há que reconhecer” que o fenómeno gerou também “novas desigualdades”, “entre países e dentro de cada país”. António Vitorino dá como exemplo a União Europeia, onde “as desigualdades se agravaram”.

Mesmo na Alemanha, exemplifica, país cuja crise de 2008 não teve o impacto que se verificou nos países do Sul e onde se “verificou o agravamento das desigualdades”, o que parece “um paradoxo”. 

O ex-comissário entende o desemprego jovem como a questão “mais grave para a coesão das nossas sociedades”. Coesão essa que fica em causa se não for dada resposta a “25% de jovens portugueses desempregados, a 35% em Espanha e a 40% de jovens gregos”.

UE sem futuro

A eurodeputada socialista Maria João Rodrigues falou no mesmo tom. A constatação de que “a Europa não está bem” deu o mote ao reconhecimento de que “as soluções europeias não servem”. Para a ex-ministra do Emprego de António Guterres, a solução para problemas europeus como a crise dos refugiados não pode passar pela reposição das fronteiras nacionais, mas por “uma fronteira europeia coordenada”, numa referência à decisão do povo britânico.

Tal como Vitorino, Maria João Rodrigues entende que, “se a Europa não conseguir dar um futuro aos mais jovens, a UE não vai ter futuro”, classificando os actuais números do desemprego jovem “insustentáveis”.

A eurodeputada lamenta que, no roteiro para a “Europa pós-Brexit” (saído da cimeira de Bratislava) não haja “uma única referência aos refugiados”, assim como se verifica a ausência de referências a “uma nova agenda económico-social”. 

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