A agenda de costumes que não vai ser discutida no congresso do PS

Socialistas apresentaram dez moções sectoriais, algumas sobre a legalização das drogas leves, a regulamentação da prostituição ou a legalização da eutanásia.

Foto
O líder da JS diz que o PS está mais aberto a defender temas fracturantes NFACTOS / FERNANDO VELUDO

A regulamentação da prostituição, a legalização das drogas leves ou a eutanásia vão ser assuntos que os socialistas querem que façam parte das ideias defendidas pelo partido. Foram apresentadas dez moções ao congresso, que se realiza em Lisboa entre 3 e 5 de Junho, três delas sobre temas mais virados para a agenda de costumes. 

Só a Juventude Socialista vai levar ao congresso a defesa da legalização das drogas leves e da regulamentação da prostituição, contudo, no PS o debate em detalhe e a votação das moções sectoriais só é feito na Comissão Nacional - o órgão máximo entre congressos - que se segue ao conclave do fim de semana. Ou seja, os assuntos andarão por lá, poderão ser referidos, mas não se espera que dominem o debate, até porque só serão debatidos em pormenor à porta fechada, entre pares.

Das dez moções apresentadas, três saíram da mão da Juventude Socialista. E duas delas com os chamados temas fracturantes. Os jovens socialistas querem que o Governo legalize as drogas leves, em especial a "canábis". "A JS defende há décadas a legalização do trabalho sexual e das drogas leves", diz ao PÚBLICO o líder da JS, João Torres, que justifica estes temas (e não outros) porque nos últimos anos houve uma "política de austeridade" que levou a "uma trindade de sonegação de direitos sociais", entre eles o "desemprego jovem", "a emigração forçada" e a "precariedade", e o novo Governo "tem seguido o seu compromisso de virar a página". 

O fim das penalizações para a cannabis

Na moção sobre a "Legalização e regulação das drogas leves em Portugal", os jovens socialistas dizem que não querem "um enquadramento totalmente liberalizado e, consequentemente, desregulado, para a comercialização da canábis, ou das restantes drogas leves", mas deve ser regulado.

Ao PÚBLICO, o líder da JS dá como exemplo o caso da Alemanha que "vai permitir o consumo da canábis para fins terapêuticos". "Queremos lançar o debate", diz. Projectos-lei "não estão neste momento na agenda", mas não está descartado. 

Na moção, que só será discutida na Comissão Nacional, a JS defende ainda que há outro fundamento para a legalização: a questão financeira: "O Estado deve regulamentar, não porque a canábis seja 100% segura, mas porque apresenta riscos, tal como apresentam outras substâncias aditivas, como o tabaco e o álcool, procurando, com essa regulação, garantir um controlo efetivo sobre todas as fases do processo, desde a produção, até à venda ao consumidor final, que fica, assim, verdadeiramente protegido. Adicionalmente, não nos parece apropriado menosprezar o importante contributo que a legalização da comercialização da canábis traria para o financiamento do Estado", lê-se na moção.

"Eutanásia, um debate sobre a vida"

É assim que alguns socialistas titulam a moção sectorial que vão levar a congresso. A iniciativa foi das deputadas Maria Antónia Almeida Santos e Isabel Moreira que querem que se acaba com a penalização da morte assistida. No texto, assinado por alguns dirigentes do partido como o PÚBLICO noticiou, defende-se que "o objectivo do debate é o de se avançar para a despenalização da morte assistida e para a legalização da eutanásia em Portugal”.

A moção defende que o “acto médico de retirar a vida a um doente terminal a seu pedido reiterado e com o seu consentimento deve deixar de ser punível, como o é, actualmente”, pelo Código Penal e que não seja punível administrar uma injecção a um doente para lhe tirar a vida, considerando que esta é ainda actualmente “a única forma de eutanásia punida pela lei”. 

Este foi um debate que voltou ao palco mediático há cerca de um mês com a entrega no Parlamento de uma petição assinada por milhares de pessoas a pedir a despenalização da morte assistida. O Bloco de Esquerda garantiu que irá dar continuidade ao debate, mas que apresentar um projecto lei só mais para o final da legislatura. Agora, alguns socialistas querem que o partido esteja na linha da frente e que promova desde já a criação de um grupo de trabalho "constituído por elementos das diversas áreas relevantes para o tema".

Tirar os "trabalhadores do sexo da sombra da lei"

É mais uma moção da JS que pretende regulamentar a prostituição e "conferir dignidade a estas pessoas", defende João Torres ao PÚBLICO. Não é a primeira vez que os socialistas debatem o tema e a JS até diz estar preparada para o "caminho longo" de uma discussão de um tema fracturante como este, mas acreditam que o PS "está hoje muito aberto à discussão em torno dessas temáticas".

Na moção "Regular a prostituição - Uma questão de dignidade" é defendido que há vantagens para os trabalhadores do sexo em termos de saúde pública, como de discriminação ou até de segurança. "Será apenas pela legalização que melhor se conseguirão implementar programas concretos e especificamente dirigidos, tanto na transmissão de informação preventiva e de esclarecimento, como pela distribuição de materiais, como os preservativos. Por um lado, as relações sexuais, no contexto do trabalho sexual, deixarão de acontecer na marginalidade, podendo os trabalhadores do sexo, desde logo, recusar e denunciar clientes abusivos e que se recusem a cumprir práticas de segurança". 

Mas a questão é também de dignidade, defendem. "Queremos vencer a discriminação", diz João Torres. No texto, que poderá ser abordado no congresso, mas apenas debatido na reunião da Comissão Nacional posterior, a JS acredita que "os trabalhadores do sexo deixarão de sofrer o estigma e discriminação que atualmente os afastam dos serviços de saúde, para prevenção e resolução de problemas de saúde, e que os repelem das forças de segurança, no caso da necessidade de denúncia de abusos ou de práticas lesivas para a sua saúde e segurança".

Limitar os salários e outras propostas

Nos assuntos que se tornaram mais mediáticos entra outra moção da JS que quer limitar proporcionalmente de todos os salários. "Hoje há gestores de topo que ganham vinte vezes mais o salário mais baixo e isso não é aceitável", diz. O socialista até vê a proposta como bem recebida - "a reacção é positiva", diz -, mas se quer apenas, para já, lançar o debate, a verdade é que apresenta propostas mais complexas.

Os jovens do PS começam por defender que se faça um estudo aprofundado sobre as "desigualdades salariais" e a partir daí partem para algumas limitações como "uma limitação proporcional de salários dentro de cada organização empresarial, pública ou privada, considerando para esse efeito um salário como o montante resultante de todas as prestações atribuídas em dinheiro ou espécie a um trabalhador, salvaguardando situações de exceção como trabalhadores a tempo parcial".

Além disso querem ainda uma "revisão das remunerações das empresas do setor público empresarial, de forma a assegurar que o salário em vigor mais elevado não exceda em mais de 20 vezes o salário mais baixo pago na mesma empresa". E por fim entram as penalizações nas contribuições para a Segurança Social para as empresas que paguem a um trabalhador vinte vezes mais do que o salário mais baixo que pagam.

Nos textos entregues para discussão sectorial, há socialistas que querem ainda dar destaque às comunidades portuguesas no estrangeiro, que passaria por exemplo pela criação de um Museu Nacional da Emigração, ou promover políticas que defendam os jovens no interior do país. Há ainda quem se bate pela alteração da lei de bases da economia social, defendendo o terceiro sector como parceiro, há também "Novas propostas para a justiça" e um pedido para que o partido não deixe cair a revisão da lei de agregação de freguesias. A nível interno, entrou uma moção que defende uma "reestruturação das secções e das concelhias".

Sugerir correcção
Ler 1 comentários