Académicos empenhados na criação de partido à direita do PS

O pontapé de saída vai ser dado em Coimbra, durante um jantar marcado para o início de Julho. Nuno Garoupa e Norberto Pires estão entre os dinamizadores.

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Dinamizadores do projecto político acreditam que há um franja considerável do eleitorado para quem ninguém tem mensagem RUI GAUDENCIO / PUBLICO

A formação de uma nova força política à direita do PS está a ser ponderada e o tema vai ser servido à mesa de um jantar que por estes dias decorrerá em Coimbra e para o qual foi convidado um número restrito de pessoas. O país político está concentrado nas eleições autárquicas, mas há cidadãos “inquietos” com a situação política nacional e querem juntar-se para discutir de “forma livre” a possibilidade de se construir uma nova força politica à direita do PS, que englobe pessoas do centro direita ao centro esquerda.

 “Há 700 mil votos à solta, que não são de ninguém, e ninguém parece ter uma mensagem para eles. Para além disso, há muita gente que vota no partido A ou no partido B por falta de alternativa e nós queremos construir essa alternativa”, declara ao PÚBLICO um dos organizadores do encontro, que recusa ser identificado. Assume “tratar-se de uma iniciativa descomprometida e livre, mas consequente com uma sociedade civil mais interventiva” e defende a criação de uma nova força política, “centrada na participação das pessoas, em propostas concretas e que tenha uma visão de médio e longo prazo para o país”.

Mas quem são os mentores deste novo projecto político? Nuno Garoupa, professor de Direito em Portugal e nos Estados Unidos e ex-presidente executivo da Fundação Francisco Manuel dos Santos, que é da área do CDS, é o nome mais emblemático deste grupo de pessoas, que querem perceber se há espaço para lançar a discussão. O ex-social-democrata, Norberto Pires, professor de Robótica no departamento de Engenharia da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra e antigo presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro, é outro dos rostos envolvidos na iniciativa. Mas para já não prestam declarações.

O jantar, que vai juntar aproximadamente 20 pessoas, vai servir para perceber como é que os comensais reagem à ideia de fazer emergir uma nova força política à direita do PS que capitalize o descontentamento e o descrédito que existe entre os partidos políticos tradicionais e o eleitorado. Esse é o primeiro passo para uma caminhada que poderá levar a uma nova formação política.

Para já, os promotores mantêm grande reserva sobre o futuro projecto político, mas mostram-se disponíveis para, adiante, darem conta da receptividade à ideia entre os convidados para o jantar e se estes estão disponíveis para entrar no projecto. Até lá, a ordem é para ninguém falar, nem sobre a estrutura que está pensada em termos de organização, nem sobre a influência que querem ter na forma como o país deve ser gerido.

Com tantos exemplos de movimentos que emergiram, mas que não vingaram, será que há espaço para um novo projecto político que vai do centro-direita ao centro-esquerda?

O PÚBLICO falou com dois especialistas na área da Ciência Política. Marina Costa Lobo, investigadora principal do Instituto de Ciências Sociais (ICS), onde desenvolve trabalhos na área das instituições e comportamentos políticos dos portugueses em perspectiva comparada, revela que as “tentativas mais recentes de ocupar o espaço do centro falharam clamorosamente”.

“Essa ambição do centro tem sido recorrente no nosso país e já houve várias tentativas de criar esse partido, nomeadamente o PRD [Partido Renovador Democrático]”, patrocinado pelo antigo Presidente da República, Ramalho Eanes, declarou. Afirma que “o PRD foi a tentativa mais bem- sucedida dessa mesma ambição de criar um partido que se dizia que não era de direita nem de esquerda, era centrista”.

A investigadora do ICS explica que “há uma apetência táctica pelo centro”, porque é aí que encaixa o perfil do eleitorado português. “Sabe-se que a maior parte das pessoas se coloca ao centro do espectro partidário”, frisa Marina Costa Lobo, notando que o exemplo mais recente, que também se posicionou ao centro, foi o do Partido Democrático Republicano, lançado por Marinha e Pinto, em Outubro de 2014.

“Tem sido extremamente difícil aos novos partidos aparecerem, vingarem e consolidarem-se, sobretudo nessa área do espectro político. Não quer dizer que não possa acontecer, porque, de facto, existe muita insatisfação em relação aos partidos políticos e existe um contingente muito alargado de abstencionistas”, avalia Marina Costa Lobo.

E o que pensa o professor convidado do ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa, António Costa Pinto? O também comentador político começa por separar águas relativamente ao que o se passa em Portugal e no resto da Europa, onde – sublinha – “não só existe espaço como novos movimentos políticos têm crescido”. “Na Europa, nós vemos que em velhas democracias, novos movimentos se criam, por vezes nas margens, da direita ou da esquerda, dos partidos tradicionais”, refere.

E cá? “O caso português tem sido justamente um caso de resiliência dos partidos tradicionais e este tipo de apelos. São apelos que podem ter sucesso, mas até agora a janela de oportunidade tem sido bem magra”. António Costa Pinto sustenta que, no caso português, este tipo de apelos, fundamentalmente ao centro do espectro político, “foi sempre condenado ao fracasso”, apesar de já terem sido feitas várias tentativas.

Segundo revelou, “apelos destes coincidem sempre com um desejo de renovação, que é popular na sociedade portuguesa”. E reafirma que, “do ponto de vista teórico, formal, são sempre apelos que constituem um desafio que até agora tem falhado sempre”.

António Costa Pinto chama a atenção para uma questão - a que chama um “grande dilema”- que os novos partidos políticos precisam de superar. “O grande dilema que eles têm de vencer tem a ver com a resiliência dos nossos partidos tradicionais que está muito relacionada com a alta taxa de abstenção” e que se coloca "sobretudo ao centro do espectro politico”, sublinha.

A terminar, o comentador político alude à actual solução governativa que, segundo disse, foi um “coelho” que António Costa "tirou da cartola", para dizer que ela “retira espaço a novos movimentos". Ao contrário do que sucedeu noutros países, onde o declínio dos partidos socialistas europeus tem sido uma grande base de partida para a criação de novos partidos. "No caso português isso não acontece, o que diminui um pouco no centro-esquerda a base política para esses novos movimentos”, constata.

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