Uma reforma que só peca pelo atraso

O excesso do centralismo português é um obstáculo à democracia e ao desenvolvimento. O Governo quer combatê-lo. Faz muito bem

O pacote da descentralização do ministro-adjunto Eduardo Cabrita configura a mais ampla e profunda reforma do Estado em muitas décadas. A transferência de funções e competências para as comissões de coordenação (CCDR) e para as autarquias obedece ao princípio da subsidiariedade que é norma nos países ricos e desenvolvidos – tudo o que puder ser resolvido na proximidade não deve ser concentrado no centro do poder estadual. Por razões históricas e culturais, Portugal esteve sempre longe desse princípio e tornou-se um dos estados mais centralizados da Europa – só a Grécia se lhe compara. O Governo inscreveu no seu programa a necessidade de o mudar. Fez bem.

O que o Governo procura é o compromisso entre as autarquias regionais com poderes legitimados pelo voto, o formato da Regionalização, e a atribuição de um poder reforçado às CCDR através da eleição indirecta dos autarcas. Para quem defende que o poder político deve ser sufragado pelos cidadãos, este passo é insuficiente. Até porque o reforço do poder dos autarcas nas CCDR ameaça criar câmaras corporativas mais dispostas a discutir a repartição de fundos do que a fazer o que falta em Portugal: a criação de políticas regionais. Mas, as feridas do referendo à regionalização de 1998 ainda não sararam. Compreende-se pois o cuidado do Governo.

Na extremidade do poder público, as autarquias esgotaram há muito o seu projecto de infra-estruturação e entraram numa atrofia que reclama a atribuição de novos desafios. É de elementar bom senso que o Estado central lhes atribua novas funções na gestão de escolas, de centros de saúde, que as envolva na protecção do património cultural ou natural ou em temas ambientais e económicos como as da florestação. Desde que as políticas nacionais sejam claras e capazes de travar excessos e evitar desmandos, não se percebe por que não hão-de as autarquias ter mais poderes.

Há riscos em todo este processo? Claro que há. O mais grave é o que aponta para a eleição directa dos presidentes das áreas metropolitanas, que tenderão a criar regiões de primeira capazes de se sobrepor aos territórios sob a égide das CCDR. Haverá ainda outros perigos nos municípios onde o défice democrático é crónico e a massa crítica inexistente. Mas, sejamos realistas: o maior perigo é manter este estado labiríntico, ineficiente, despesista e burocrático. O novo mundo anunciado por Eduardo Cabrita não será o El Dorado. Mas merece uma oportunidade.   

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