Uma imagem vale mais do que mil palavras-passe

Solidarizo-me com as vítimas dos hackers de fotos. O meu coração está com Roseanne, Rosie O’Donnel, Mo’Nique, Kirstie Alley, Kathleen Turner, Melissa McCarthy e tantas estrelas gordas de Hollywood que, por preconceito, ninguém teve interesse em ver nuas. Também são actrizes e também tiram fotografias sem roupa. A única diferença é que têm de usar uma grande angular. Serem discriminadas desta forma entristece-me. Para com as outras vítimas, aquelas de quem publicaram as fotos, solidarizo-me um pouco menos. É que podiam ter tido mais cuidado.
(Atenção, não é um “podiam ter tido mais cuidado” no sentido do: “Vês? Eu avisei!”, que digo à minha filha quando cai com a cara no chão depois de a prevenir que não é boa ideia empoleirar-se na cadeira. Sei que é azucrinante e estou a tentar deixar de ser um idiota, que é o que são as pessoas que dizem “devias ter tido cautela” a quem acabou de ter um azar. Não são misóginas, são só parvas. Mas quando é com mulheres nuas — ou uma minoria, com ou sem roupas — parece que um irritante traço de personalidade se transforma numa imperdoável falha de carácter.). 

O cuidado a que me refiro é o que podiam ter tido com a qualidade das fotografias. Como é que artistas que trabalham com a imagem se dignam a arquivar fotos tão fraquinhas? Já não falo ao nível da produção (penteados desleixados, cenografia pobre, iluminação desadequada), mas podia haver esmero na pós-produção. A aplicação de um filtro (a Kate Upton ficava a ganhar em sépia), um enquadramento mais artístico, quem sabe até uma moldura a imitar polaroid? Agora, assim, tudo mal enjorcado? É desanimador pensar que profissionais do espectáculo olham para aquelas fotografias abandalhadas e acham: “Está bem boa! Vale a pena fazer back up desta chapa!”

Essa é outra: o sítio onde se guarda o back up. Se perguntarmos a alguém: “Queres armazenar fotos tuas em pelota num sítio que não se sabe bem onde fica, trancado com um cadeado que não se sabe bem como funciona, acessível a não se sabe bem quem?”, é provável que declinem. Mas, se lhes dissermos que é o iCloud, aceitam logo. Pois se é da Apple! Não há como desconfiar duma companhia que ganha a vida com a obsolescência programada de produtos que, admito, vêm impecavelmente embalados. Se a Apple diz que é seguro, é porque é seguro. (Pelo menos até lançarem o iCloud 2.) Até porque, como tudo o que tem “i” antes do nome, o iCloud é glamoroso. Acabo de ter esta conversa com a minha mulher:
— Queres levar com um bastão nas costas?
— Claro que não.
— Mas olha que é um iBastão.
— Ah, então dá-me forte no lombo!
O que este caso vem comprovar é o aumento da desigualdade no mundo. Cava-se o fosso infame entre quem sabe mexer nestas gerigonças e quem não percebe nada disto. De um lado estão os que têm conhecimentos para roubar fotografias; do outro, aquelas pessoas que devolvem chamadas que foram feitas há muito tempo, tendo entretanto já falado com o interlocutor. Quem nunca teve esta conversa com o seu pai:
— Então?
— Então, o quê?
— Ligaste-me. Tenho uma chamada tua não atendida. 
— Isso foi ontem. Entretanto, estivemos juntos e já conversámos. 
— Ah... Mas dizia aqui chamada não atendida...
— Mas a data é de ontem.
— Isto tem data?
— Pai, diga-me que não tem fotografias suas todo nu no telemóvel. 

Sugerir correcção
Comentar