Uma caixa negra no meu casamento

Faz hoje, dia em que escrevo este texto, um mês que o voo MH370 da Malaysia Airlines desapareceu. Foram detectados os sinais de rádio emitidos pela caixa negra e trabalha-se em contra-relógio para a localizar, porque a sua bateria só dura 30 dias. O que não é uma surpresa. Posso não perceber nada de aeronáutica, mas sei que o material é todo asiático e já comprei pilhas numa loja chinesa. Desde que as uso, o telecomando fica sem bateria num instante. A sensação que tenho é de que existe uma Papão específico para pilhas, que entra em minha casa, senta-se no sofá e passa a madrugada a calcar nas teclas do comando.

Hoje em dia, com a quantidade de canais disponíveis, um comando apetrechado de pilhas chinesas não consegue completar uma ronda inteira. Quando chega às imediações dos canais eslavos, começa a fraquejar. A fazer zapping às três da manhã, com uma insónia, o último sítio onde queremos que o comando falhe é no Canal Búlgaro. Ainda hoje tenho pesadelos com a entrevista tipo Alta Definição de uma lançadora do disco búlgara.

O que vale é que sou um hábil reanimador de pilhas. Tenho uma técnica infalível que consiste em esfregá-las de forma brusca nas calças, até recuperarem algum viço. Uma espécie de massagem cardíaca ora no ânodo, ora no cátodo, que transforma qualquer pilha inerte num Lázaro alcalino, com capacidade para mais umas 100 mudanças de canal. Ou, em alternativa, 75 alterações de volume.

Entretanto, se não tiverem descoberto nada que torne a crónica anacrónica, já posso dizer que, neste momento, a Malaysia Airlines está em segundo lugar na lista das companhias em que prefiro não voar. Fica logo abaixo da Ryanair, que consegue tratar ainda pior os passageiros. Na Malaysia, pelo menos, ainda há hipótese de as bagagens chegarem a aparecer. Este caso do voo MH370 é traumático para quem tem medo de andar de avião e para quem odeia chegar atrasado.

O que é que terá acontecido? Eu estou convencido de que foi uma praxe que correu mal. Todos os dias vejo o telejornal da TVI e fico à espera de que apareça a jornalista Ana Leal a explicar que os passageiros quiseram praxar o piloto e deu para o torto. Enfim, enquanto não aparece a caixa negra, só podemos especular.

A caixa negra é, de facto, uma superinvenção. Um aparelho que grava todas as conversas para, em caso de acidente, se poder ouvi-las todas e perceber o que é que se passou, é excepcional. No fundo, é uma porteira metediça em versão máquina. Já mandei instalar uma na minha casa. Vai revolucionar o meu casamento. Sempre que houver uma acareação com a minha mulher, recorro à caixa negra. Acabam-se as discussões destas:
— Este telecomando não funciona. Compraste pilhas?
— Não. Tu é que tinhas ficado de comprar pilhas.
— Eu? Lembro-me perfeitamente que tu disseste: “Eu posso ir comprar pilhas.”
— O que eu disse foi: “Não posso ir comprar pilhas.”
— Não disseste, não.
— Disse, disse.
— Não disseste.
— Disse.
— Não disseste.
— Disse. Nem fazia sentido eu ir comprar pilhas.
— Porquê?
— Porque eu consigo esfregá-las até arrebitarem. 

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