Palavras, expressões e algumas irritações: tolerância

“Tolerância” não é sinónimo de “aceitação”. Quanto à “tolerância de ponto”, diz o dicionário que se trata da “faculdade conferida aos funcionários públicos de não comparecerem ao serviço, em dias úteis, em virtude de qualquer festa ou comemoração oficial”.

De origem latina (tolerantia), este substantivo feminino significa “condescendência”. Desenvolvendo um pouco, “acto ou efeito de tolerar, de suportar excessos com paciência e indulgência”.

Muitos discursos recorrem à palavra “tolerância” como se se tratasse de um sentimento nobre e sinónimo de “aceitação”. Não nos deixemos enganar. Se atentarmos bem no que significa, “tolerância” pressupõe sobranceria de quem “tolera” sobre quem é “tolerado”.  

O verbo “tolerar” clarifica melhor esta ideia, já que se traduz por “suportar”, “consentir”, “deixar passar”. O adjectivo “tolerável”, também. Sinónimo: “sofrível”.

Há vários tipos “oficiais” de “tolerância”: a civil (“permissão concedida por um governo para uso de cultos que não são os do Estado”), a religiosa (“condescendência em virtude da qual se deixa a cada um a liberdade de praticar a religião que professa”), a eclesiástica ou teológica (“condescendência em virtude da qual se consentem todas as opiniões que não sejam abertamente contrárias à doutrina da Igreja”).

Falta só falar da “tolerância de ponto”, de que alguns portugueses beneficiaram na sexta-feira porque o Governo não quis ser “insensível” à visita do Papa Francisco para celebrar o centenário das “aparições de Fátima”. Mas a própria Igreja, pela voz do bispo de Leiria-Fátima, D. António Marto, considerou que “era desnecessário”

Tolerância de ponto corresponde à “faculdade conferida aos funcionários públicos de não comparecerem ao serviço, em dias úteis, em virtude de qualquer festa ou comemoração oficial”. Resumidamente, “possibilidade concedida a alguém de faltar ao trabalho num dia útil”.

Exemplo do dicionário: “A função pública goza algumas tolerâncias de ponto, no decorrer do ano.” Já tínhamos dado por isso.

Se se aliar essas faltas a uma greve, como os médicos fizeram por estes dias, torna-se ainda mais difícil “tolerar” a “tolerância”. Ficou a saber-se que serão precisos dois meses para recuperar as consultas e cirurgias adiadas. Isto a contar que não haja mais paralisações.

Se vai precisar de usar o Serviço Nacional de Saúde brevemente, aproveite a maré beatificante no país. Se tem fé, reze; se não tem, reze também.

Palavras, expressões e algumas irritações é uma rubrica do caderno P2

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eduardo salavisa
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