Tenho unhas para o casamento

Das judiarias que faço à minha mulher, há uma que é da minha predilecção. Destaca-se, de entre todas do meu vasto reportório, pela sua imundice criativa. Consiste em cortar as unhas dos pés no leito conjugal.

Concedo, assim dito não parece nada de especial. Só nojento. Mas da forma como eu o executo é muito mais do que só nojento. Não é o mero cortar de unhas em que se deixam as aparas espalhadas na cama (caso o marido seja um badalhoco) ou em montinho (caso o marido seja um badalhoco meticuloso). O que diferencia o meu método das outras formas de exasperar a mulher é a forma como encaro a unha. Enquanto as pessoas vêem apenas a lâmina córnea que reveste a extremidade dorsal dos dedos, eu vejo pó de fada.

O truque é usar um corta-unhas com mola possante. Num mundo ideal seria uma faca Ginsu acoplada a um amortecedor de jipe. A potência da mola faz com que as unhas sejam projectadas a grande distância e voem para locais imprevisíveis, destinos de sonho, onde serão muito mais tarde encontradas fortuitamente pela minha mulher. 

Quando entrar na cama, pode deparar-se com uma unha velha na almofada. Ou, quem sabe?, pegar na escova de dentes e ser emboscada por uma unha de antanho. É a armadilha aliada à maturação. Uma espécie de caça aos ovos da Páscoa em que é forçada a participar. Perde-se em imediatismo, mas ganha-se em sobressalto. Não só da minha mulher, como meu, pois já não estou à espera que ela descubra a unha que ocultei e olvidei.

Podia colocá-las de propósito nesses sítios recônditos. Mas não só a minha imaginação não se compara à da aleatoriedade, como, confiando no acaso, eu próprio sou agradavelmente surpreendido pelo grito da minha mulher quando já não estou à espera.

No fundo, sou como um aforrador de unhas que investe uma maquia de unhas em aplicações de unhas e depois se esquece delas, até ao dia em que paga o cupão. Ouço um berro da minha mulher e penso: “Olha, a unhaca do mindinho que cortei em Abril de 2010 venceu agora!” E sou recompensado por juros de unhas.

A simplicidade desta bodega é só aparente. Há minúcia por detrás desta javardice. Para já, existe uma época muito específica em que se pode proceder à colheita: sempre antes do banho. Depois de imersa em água quente, a queratina que compõe a unha amolece, reduzindo drasticamente a capacidade de voo.

Também é importante cortá-la o mais rente possível ao sabugo. Quanto maior for o pedaço de unha, maior a probabilidade de ser encontrado, maior o grau de repugnância que causará, menor a hipótese de ser confundida com outra coisa menos repelente que uma unha. Para isso, há que deixá-la medrar e não ir ceifá-la mal desponta sobre a polpa do dedo.
 Essencial é o uso de material de segurança apropriado. Óculos de soldador e protecção bucal. Uma unha perdida chega para cariar um dente.

Finalmente, há que conhecer as unhas. Eu sou íntimo das minhas. Distingo as suas durezas, adivinho-lhes os padrões de voo. E tenho favorita, claro. A do segundo dedo do pé direito. Tem uma micose e isso confere robustez sem retirar elasticidade. E, consoante o tempo que demora até ser achada, o fungo altera-lhe o pantone. Há dias a minha mulher encontrou uma unha que datei de 2007, por estar lilás.

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