Ricardo Salgado é uma imparidade

Será que há algum israelita que olhe para a Faixa de Gaza e pense: “Que sossego… Quem me dera lá estar”? Claro que sim: os guarda-costas de Ricardo Salgado, ex-agentes da Mossad que neste momento se devem sentir mais seguros com uma tabuleta a dizer: “Olá, somos soldados israelitas!” num túnel do Hamas, do que na  mansão da Quinta da Marinha. Uma coisa é sermos apanhados por terroristas de uma organização cujo objectivo é destruir o nosso país, outra é ter de proteger alguém tão popular como Ricardo Salgado.

Isto porque Ricardo Salgado vendeu papel que não vale nada a pessoas que agora querem retribuir fazendo-lhe a folha. É uma vingança toda ela à volta de pasta de celulose.

Estatisticamente, as hipóteses de Ricardo Salgado escapar incólume são reduzidas. Vejamos: da última vez que o BES foi assaltado, em 2008, o gatuno Wellington Nazaré (pelos vistos, para roubar o BES tem de se ter um apelido ligado à iconografia cristã: Nazaré, Espírito Santo…) levou 4 tiros e ainda viu o seu comparsa ser abatido. E isto foi só por ter assaltado um balcão em Campolide. Imagine-se o arsenal reservado para alguém que roubou cerca de todos os balcões. Só em Portugal, mais de 700. São mais tiros do que no Rambo 1 e 2.

Wellington Nazaré está agora no Brasil, para onde foi repatriado em 2013, depois de cumprir metade da pena. Será que vai acontecer o mesmo a Ricardo Salgado? Não acredito que seja tudo, tudo igual. Mas grande parte, sim: estou convencido que Ricardo Salgado irá acabar no Brasil, onde a sua dupla nacionalidade e a mania dos brasileiros em não extraditarem ninguém tornam o país extremamente aprazível para quem aprecia dinheiro que não lhe pertence. Já sobre cumprir pena, tenho as minhas dúvidas. Também não podemos exigir tratamento exactamente igual. 

Há outras diferenças. Por exemplo, passado um ano do assalto, Wellington disse ao Jornal i que ainda tinha conta no BES. Já Ricardo Salgado não deve ter conta no BES há bastante tempo. O que faz sentido: há uns meses disse que os portugueses não gostavam de trabalhar. É natural que não entregue as suas poupanças a um funcionário bancário português, que é madraço, quando o pode fazer a um estrangeiro, super diligente.

De resto, a maior diferença entre Wellington Nazaré, pobre e filho de pobres, e Ricardo Salgado, milionário e filho de milionários, é que um confessa que cometeu “um erro muito grave em toda a [sua] vida, o qual [lhe] foi fatal”, enquanto que o outro diz que a culpa do que aconteceu foi da família, da crise e do Banco de Portugal.

Ou seja, um assume a responsabilidade, o outro diz que a responsabilidade é da influência familiar, do ambiente socioeconómico e do Estado. No fundo, um membro da elite lisboeta dá a mesma desculpa que um rapazito dá quando é apanhado a roubar fruta: “Foi o meu primo que me convenceu! Sou a criança desfavorecida, vinda de uma família desagregada! Foi a bófia que me tramou!” (Proença de Carvalho é pago para traduzir isto para jargão jurídico). Dono disto tudo idêntico  a pilha-galinhas. E ainda dizem que não há igualdade em Portugal.

Há uns anos, Ricardo Salgado parecia valer bastante mais do que aquilo que está a mostrar agora. Julgo que, em linguagem de banqueiro, é o que se chama uma imparidade.

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