Pobres de nós, impreparados que somos

Os portugueses talvez não tenham dado por isso, mas há uma estrela em verdadeira ascensão por aí. Não, não é escritor, nem fadista, nem futebolista. É político, jovem (nado e criado em Braga, está a poucas semanas de completar 31 anos) e tem posições firmes sobre tudo. Basta ler a entrevista que ele deu ao DN, a 25 de Janeiro, para ficar esclarecido. Diz Hugo Soares, líder da JSD (é dele que falamos), que votou “não” na generalidade, no caso da co-adopção por casais do mesmo sexo, porque a posição dele ia ser conotada com a JSD e tinha de ter “reservas e cautelas”. Posição firme, portanto. Além disso, explica, “não me sentia mandatado para o efeito”, achando “que o debate tinha de ser amplo e que eu próprio tinha de construir em mim uma decisão”. Mais firmeza, como se vê. Faltava a declaração de fundo: “Hoje, se a sociedade estiver preparada para não segregar e para aceitar as diferenças, eu tendo evidentemente a ser a favor.”

Importa-se de repetir? Ele tende “evidentemente a ser a favor?” Mas porquê, se se percebe logo que é contra? Porque respeita maiorias? Porque as teme? Porque não sabe o que há-de dizer ou fazer e espera que outros decidam por ele? Seja pelo que for, o jovem Hugo tem um futuro radiante. Se tiver dúvidas, referenda. Aliás, ele acha que é um bom método para tudo. “Todos os direitos das pessoas podem ser referendados”, afirmou ele, convicto, à TVI24 durante um frente-a-frente com Isabel Moreira. É claro que sim. Só não se sabe se nos chegarão 365 dias em cada ano para referendar tudo o que são direitos — e que as leis, sempre tão pouco democráticas, andaram a impingir ao povo. Referende-se, portanto, o que houver a referendar. Podemos começar, talvez, pelo próprio Hugo. Não um referendo na JSD, mas aberto ao povo todo. Teremos de o aturar? O povo que decida, o povo é soberano. Dispensem-se os deputados, deite-se para o lixo o Parlamento. O povo sabe, o povo vota. Depois o governo administra. E o Presidente preside. Porque o povo sabe muito bem o que quer. Ou não sabe? Talvez não saiba. Hugo esclareceu, no mesmo debate televisivo (foi a 29 de Janeiro e a TVI24 tem um vídeo-síntese da coisa), o que patrioticamente o move: “O meu paradigma é o de um país em que as pessoas, os portugueses, têm maturidade democrática para, se forem esclarecidos sobre estas matérias, votarem em consciência. Eu não passo atestados de menoridade nem de inferioridade a nenhum dos meus eleitores.”

Repare-se na pequena “nuance”: “se forem esclarecidos”… É claro! Falta-lhes isso, o esclarecimento. Não só ao povo, também ao próprio Hugo. Não foi ele que disse que “tinha de construir uma decisão” para si mesmo? Pois estará a construí-la. E, “se a sociedade estiver preparada”, também ele estará. E dirá sim a tudo: à adopção, à co-adopção, ao que mais vier. Foi sempre esse o problema do povo: a impreparação. Nunca estamos preparados para o que querem que nos preparemos. É certo que há muitas formas de nos preparar. Com fardas escuras e passo de ganso, resulta sempre. E dispensa referendos. Ou deputados. Diz-se que o povo manda e que o governo é do povo e pronto. E ai de quem discordar. Já vimos este cenário com diversos emblemas. Só há um problema: não gostámos.

E virámo-nos, azar o nosso, para a democracia representativa, votando nuns senhores para decidirem em assembleia, e exercendo o contraditório, os destinos do país. Referendámo-los. E eles estão lá, por sinal pagos a contento. E o que acha Hugo que eles devem fazer? Devolver-nos o poder de decisão. Porque, coitados, estão “impreparados”. Discutiram o tema durante quase um ano, mas estão “impreparados”. E o povo, por “impreparado” que esteja, irá lá com umas palavrinhas. Porque o povo, ao contrário dos deputados, é esperto, aprende depressa. Uns dias de conversa e pronto, já se preparou. Os deputados não, são fraquinhos, custa-lhes decidir. Pelo menos é o que Hugo acha. E se o acha melhor o faz. Referende-se tudo, pois, à sua vontade. Querem começar pelos impostos, pela troika, por tudo o que nos aborrece? Façam favor. Assim como assim, somos nós sempre a pagar tudo. Até os referendos.


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