Ou lá o que é

X gostar mais de Y mais do que sei lá o quê é de uma indolência sublime.

A língua portuguesa, empertigada e trabalhadora, só raramente satisfaz o estudante da preguiça. Um bife é rijo que nem um cabaz de cornos, sendo o cabaz oferecido de graça, quando bastariam os cornos para dar a ideia.

Até a senhora nortenha dos apanhados da TVI, tão lendária que basta escrever "eu sei lá" no Google para ela aparecer imediatamente, acrescenta, depois da musicalidade transcendente do "eu shei lá", as palavras que toda a gente sabe, inclusivamente mencionando os chineses.

À pergunta "está mal disposto?" um resmungão de Viseu respondeu que sim senhor, que estava. E mais: "não sei se é do tempo ou dos sapatos ou dos azeites..." Esta explicação pormenorizada satisfez o interlocutor e assim se evitou, infelizmente, uma rixa que prometia.

Daí que a minha expressão favorita seja aquela que se recusa a esforçar-se, que descaradamente desiste de ir a qualquer dicionário mental só para entreter o ouvinte. Consiste em dizer que o Azevedo gosta mais de praia, tinto, cães, Paris, dormir, espeleologia, lerpa e macarronete do que..."sei lá o quê".

X gostar mais de Y mais do que sei lá o quê é de uma indolência sublime. Está ao baixíssimo nível do "não há palavras para exprimir" ou, ainda mais humildemente, "não tenho palavras que possam descrever". Às vezes remata-se com uma utilíssima ênfase: "enfim, é indescritível!"

"Pois, imagino...", responde o ouvinte, devidamente adormecido. E subentende-se que deve gostar tanto que ainda estão por inventar as analogias necessárias. Pois.

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