“O México que pague o muro”. E o que faz o PS?

O Bloco e o PC vão, com certeza, daqui até Novembro, invectivar Donald Trump. Mas, por muito que dizer isto seja politicamente incorrecto, têm um discurso e um programa que são populistas e que, por isso, têm largos pontos em comum com o populismo de Trump.

 

1. Tenho insistido, apesar de muito criticado e pouco compreendido, que o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista são forças políticas radicais e extremistas. Na verdade, entre nós, a complacência da esfera mediática com o populismo e o radicalismo de esquerda é lendária e quase proverbial. São poucos os que se atrevem a chamar os “bois pelos nomes” e a qualificar estes dois partidos como partidos genuinamente antidemocráticos, populistas, inimigos da economia de mercado, avessos à liberdade como direito e como valor, amigos e admiradores confessos de regimes ditatoriais, altamente protecionistas e nacionalistas, profundamente antieuropeus, aguerridamente antiocidentais, ferozmente antirreligiosos. Basta ouvir as declarações e os discursos dos responsáveis do Bloco e do PCP para identificar uma enorme semelhança com o populismo da direita radical europeia, paradigmaticamente hipostasiado na prosápia de Marine Le Pen. De resto, quem estiver atento às votações no Parlamento Europeu verificará que é absolutamente impressionante a coincidência de sentido de voto entre os deputados do PCP e do Bloco e os deputados das forças políticas da extrema-direita europeia. Nada de muito surpreendente, pois vem de antanho a ciência de que os extremos se tocam.

2. Para se perceber a natureza populista das soluções e das propostas defendidas por estes dois partidos, é decerto ilustrativo fazer uma comparação com a retórica populista – talvez até infantil – de Donald Trump. O populismo de Trump não se limita ao truque de ilusionismo de resolver os complexos problemas da imigração com a simplória construção de um muro na fronteira dos Estados Unidos com o México. Não, ele não se contenta com isso: ele vai mais longe e garante que o México – vá lá saber-se por que razão – terá de pagar o muro! Ora, o Bloco de Esquerda e o PCP, semanalmente, senão mesmo diariamente, apresentam remédios e soluções do tipo da construção do muro. E não há vez que não ponham o México a pagar as soluções e a oferecer os remédios. Querem subir salários e pensões, mas não dizem quem paga: o México há-de pagar! Querem congelar rendas e dar subsídios aos inquilinos, mas silenciam quem paga: o México há-de pagar; e quem diz o México, diz naturalmente os senhorios. Acham que o Estado tem de controlar os transportes públicos, mas não explicam quem vai pagar: o México há-de pagar; ou seja os contribuintes vão pagar, continuando a derreter dinheiro num saco sem fundo. Alvitram que é necessário um perdão – ou melhor um corte substancial, pois “perdão” é muito “cristão” – na dívida do país, mas omitem quem vai pagar a miraculosa: uma vez mais, o México há-de pagar e, se o México obstinadamente resistir, sobra sempre a Alemanha, que está aí para o que der e vier. Nos discursos inflamados de Catarina Martins, tudo é simples, tudo é óbvio, tudo é linear: tal como ensina Trump, o México há-de pagar. Nos discursos ensaiados de Jerónimo de Sousa, com ou sem ditos populares, nada é utópico, nada é impossível, nada é irrealizável: o México – quiçá aquele saudoso México revolucionário dos anos 10 do século XX – pagará.

O Bloco e o PC vão, com certeza, daqui até Novembro, invectivar Donald Trump. Mas, por muito que dizer isto seja politicamente incorrecto, têm um discurso e um programa que são populistas e que, por isso, têm largos pontos em comum com o populismo de Trump, de Le Pen, de Iglesias, de Varoufakis ou de Tsipras (numa das versões). Não, não estou a afirmar que é tudo igual. Não. Mas é tudo populismo e isso é suficiente para ser mau, muito mau, e merecer denúncia.   

3. E diante deste populismo organizado e estruturado que exibem o Bloco e o PCP, o que diz e o que faz o PS? O simples facto de ter aceitado concluir acordos de governo com forças populistas, claramente antieuropeias e detractoras da economia de mercado põe em crise a história e a identidade do PS. O PS foi até 2015 uma força política da esquerda moderada, largamente situada ao centro-esquerda, defensor da economia social de mercado, com grandes pergaminhos na defesa da liberdade e das liberdades, convictamente pró-europeia e pró-ocidental. Desde que aceitou pactuar com a esquerda radical e extremista, o PS ficou refém da agenda populista dessas facções da esquerda. Quem ouve todavia a retórica dos dirigentes do PS, a começar pelo Primeiro-Ministro, percebe que o PS não é apenas um refém: parece mesmo final e definitivamente convertido e convencido. Ou então será um refém, um prisioneiro, mas com notórios sintomas da síndrome de Estocolmo: apaixonou-se pelos seus algozes em pleno cativeiro. A verdade é que, diante desta experiência de governo com a ala radical e populista da esquerda, o PS parece ter mudado de natureza.

4. É esta mudança de natureza que é altamente preocupante. Muitos dos militantes e dos dirigentes do PS estão longe desta deriva táctica, que parece ter-se transmutado em opção estratégica. O PS moderado e responsável de outrora esvaiu-se na retórica radical de Carlos César e João Galamba e nos arrebatados arroubos de Pedro Nuno Santos. Ninguém quer nem almeja um PS domesticado ou um PS estático. Mas este PS, rendido aos encantos dos seus parceiros populistas, é notoriamente incapaz de qualquer reforma. Gere e digere, nada mais. Num momento em que o país, depois de anos penosos de ajustamento, precisava de um impulso reformador e reformista. Mas hipotecado ao populismo revanchista do Bloco e do PCP, o PS esqueceu a sua identidade genética e entregou-se, sorridente e loquaz, à volúpia do poder. E ao fazê-lo resolveu contar-nos a história de que o México vai pagar, de que o México pagará, de que o México há-de pagar. Tenho saudades do PS. Do autêntico. Não desta pálida e perigosa cópia.  

 

     

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