O Manifesto Ponzi

Quem já assistiu ao desenrolar de um Esquema de Pirâmide, sabe que há uma altura em que a base de recrutamento já está tão explorada que é difícil arranjar quem meta o dinheiro que vai permitir aos participantes do nível superior reaverem o seu investimento inicial e realizar o prometido lucro. Nessas alturas, o instinto de sobrevivência faz com que se chateiem os familiares, os amigos, os inimigos, os desconhecidos, seja quem for, a pedir para meterem dinheiro que os livre da bancarrota.

Ou então escrevem um Manifesto. Funciona muito melhor, porque é publicado nos jornais e atinge um maior número de papalvos. A única crítica que tenho a fazer ao manifesto é que, no fim, senti falta de um NIB para onde possamos transferir dinheiro. De resto, está impecável. Está tão bem construído que podia perfeitamente ser uma campanha publicitária da Cofidis, se a Cofidis fosse mais dissimulada.

Citando a notícia do PÚBLICO de 11 de Março, o manifesto é subscrito por 70 notáveis que vão “de Adriano Moreira, Freitas do Amaral a Bagão Félix. Passando por Manuela Ferreira Leite e António Capucho. Continuando com Ferro Rodrigues, Manuela Arcanjo e João Cravinho. Até chegar a Carvalho da Silva ou a Francisco Louçã. São políticos, alguns ex-ministros, mas também há empresários, patrões, sindicalistas, académicos e constitucionalistas”. Uma plêiade de notáveis de todos os quadrantes políticos que, apesar de todas as diferenças ideológicas que os separam, unem-se por detrás de uma convicção: a certeza de que, com uma média de idades a rondar os 70 anos, só com muito azar é que ainda vão estar por aqui para sentirem os efeitos da aplicação das suas ideias.

Mesmo que Portugal investisse o dinheiro que eles querem que se invista em investigação e em saúde (que é cerca de todo), só se entretanto alterassem a Constituição para tornar o falecimento inconstitucional é que algum deles cá estaria para assistir ao resultado. No fundo, este manifesto resume-se ao proverbial “o último a sair que apague a luz” (ou, com o preço a que a electricidade há-de estar, “o último a sair que apague a vela”). Assim, também eu. Subscreve, filho, subscreve. Melhor: subscreve, avô, subscreve.

Mas a verdade é que eu não percebo nada de Política, nem de Economia. É provável que o plano que estes 70 notáveis engendraram seja, também ele, notável. Porque não dar oportunidade a estes notáveis para, por uma vez, poderem participar no processo governativo e aplicarem as suas ideias? Podiam chamar o João Cravinho para o Governo e ver o que é que ele propõe. Já agora, o Ferro Rodrigues e o Bagão Félix. E o Sevinate Pinto, o Silva Lopes, o Vera Jardim, a Manuela Arcanjo, o Freitas do Amaral e o Vítor Ramalho. Os que não couberem no Governo, podem ir para o Parlamento ou, suponhamos, para os Parceiros Sociais, onde possam influenciar com as suas ideias novas e arejadas.

(Pequena pausa para explicar que o tom desagradável e cínico do sarcasmo é muito difícil de fazer passar por escrito e é por isso que peço ao leitor a fineza de imaginar uma vozinha muito desagradável a dizer): Espera, já lá estiveram muito tempo? Ah, não posso!     

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