O elefante na sala tem tromba de nabo

Analisei a fundo a disputa no PS e conclui que há uma razão para que António Costa seja o favorito: António José Seguro tem cara de nabo.

Agora que enxotei o elefante para fora da sala (mas não sem antes apontar a parecença entre a sua tromba e certa raiz tuberosa), podemos prosseguir.

Nunca achei piada à criança que diz: “O Rei vai nu!” Ensino a minha filha a ser a criança que está calada mas pensa: “O Rei ainda se vai constipar”. Mas este silêncio ostensivo tem limites. Seguro está a ser vítima de caradenabofobia, o preconceito que sugere que quem tem cara de nabo é, efectivamente, um nabo.

Os caradenabófobos dizem que AJS tem “pouco peso político”. Ou que “não tem nervo”, nem “carisma”. Tudo eufemismos para não assumirem o que pensam, cara a cara de nabo. Traiçoeiros, discriminam pelas costas. Por mais que negue, o português é um caradenabófobo encapotado. Basta perguntar se aceitaria casar a filha com um cara de nabo. A culpa é da Constituição. No artigo 13 diz que “Ninguém pode ser (...) prejudicado (…) em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual”. Exacto: onde está o “em razão de ter cara de nabo”?

Sei do que falo. Sim, também tenho cara de nabo. Não é grande confissão, a fotografia já é eloquente: o sorrisinho tanso com os cantos da boca descaídos, o estrabismo abécula, enfim, tudo. Sempre tive este ar aselha. Ainda me lembro de todas as vezes que fui o último a ser escolhido num jogo de futebol. Foram 7. Das outras centenas de vezes nem cheguei a ser escolhido. Não admitiam que era pela minha cara de nabo, diziam que era por não haver lugar. (Durante anos estranhei que, na televisão, as equipas jogassem com o mesmo número de jogadores). Se soubesse, teria dito: “Ei, não me julguem pela cara de nabo! Deixem-me provar que não sou nabo, apenas medíocre!”

No meu caso, sofro da condição crónica, caradenabose. Também existe a caradenabite, um ataque agudo de caradenabice. (António Guterres sofria amiúde, p.ex.) Nenhuma é incapacitante, o cara de nabo está apto para desempenhar qualquer tarefa. Ter cara de nabo é só um traço físico banal, como ser sardento ou prognata.

O problema de AJS não é ter cara de nabo. É andar por aí como se não tivesse cara de nabo. Aliás, todos fingem que Seguro não tem cara de nabo. Os apoiantes com medo que a cara de nabo influencie os eleitores. Os adversários com esperança que a cara de nabo influencie os eleitores. É tão parvo fazer de conta que Seguro não tem cara de nabo, como fingir que Obama não é preto. Por isso puxei AJS para fora do armário onde se esconde. (Um armário do IKEA que nós próprios montámos, provando que de nabos só temos a cara). Seguro tem de anunciar: “Tenho cara de nabo! Não significa que seja mesmo nabo! Embora às vezes coincida a caradenabice com a nabice propriamente dita, o que é um acaso maçador”.

Não se pode julgar alguém por ter cara de nabo. Mas já se pode julgar alguém que faz de conta que não tem cara de nabo. É alguém que acumula a cara de nabo com a cara de pau. Logo, tem duas caras. Essa, sim, uma falha de carácter grave.

Espero que as pessoas sejam leais e assumam a cara de nabo de Seguro, em vez de continuarem hipocritamente a fingir que a ignoram. A honestidade beneficiará o PS. E o próprio António Costa. Com a sua cara de sonso, parece mesmo que se está a aproveitar da cara de nabo de Seguro. O povo leva a mal essa atitude.     

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