O "Brexit" e os seus admiradores

Para qualquer observador, mesmo que distraído, este referendo foi ganho com temas de direita e nenhuma promessa acionável de políticas sociais

Vamos clarificar uma coisa. Este resultado no referendo britânico está relacionado com três coisas: em primeiríssimo lugar, a imigração; em segundo lugar, o nacionalismo; e, apenas em terceiro lugar, a preocupação com a supremacia do parlamento e os argumentos sobre a falta de democracia na União Europeia.

Podemos pensar o que quisermos sobre cada um destes temas. A imigração foi mais do que um tema instrumental para a campanha do "Brexit". Ele foi “o” tema determinante desta campanha. Até à concentração quase exclusiva neste tema, os adeptos do "Brexit" perderam nos argumentos económicos, e foi só a partir do momento em que conseguiram tornar a campanha numa campanha sobre imigração que começaram a subir nas sondagens. O nacionalismo pode ter leituras mais ou menos benignas, mas o certo é que a ideia de “tomar o nosso país de volta” foi a segunda mais importante do debate do "Brexit". Em terceiro lugar apenas — mais compreensível e justificadamente — veio a questão do défice democrático na UE, embora nunca muito explorada uma vez que o próprio Reino Unido é uma monarquia hereditária com uma câmara parlamentar composta por 750 lordes não-eleitos.

Sobre o que não foi esta campanha? Não foi sobre o euro, não foi sobre a austeridade e não foi sobre o Tratado Orçamental ou a dívida soberana. O Reino Unido não pertence ao euro, não assinou o Tratado Orçamental, emite a sua moeda e gere a sua dívida com políticas monetárias mais próximas das dos EUA do que da própria UE. A austeridade levada a cabo no Reino Unido foi inteiramente da responsabilidade do Governo de Sua Majestade. A campanha pouco tocou nesses temas, como pouco se falou de desemprego (a não ser como forma de falar de imigração): a taxa de desemprego no Reino Unido anda à volta de 5%. A insegurança laboral e a perda de direitos dos trabalhadores tem sido uma bandeira do governo britânico dentro da própria UE. Ninguém acreditou que os líderes da campanha do Brexit defendessem o Serviço Nacional de Saúde no país: na verdade, vários deles defendiam a sua privatização até uns meses antes do referendo para depois alegarem que a União Europeia o queria privatizar — o que era mentira.

Isto é importante, porque nos próximos dias — e já hoje — muita gente se quererá apropriar da vitória do "Brexit", ou porque torceram por ela, ou porque gostariam que o "Brexit" pudesse fazer avançar os seus argumentos preferidos (alguns deles são também os meus) em cada um dos seus países. É uma tentação compreensível, mas é importante que os admiradores do "Brexit" noutros países não estiquem as suas interpretações até ao ponto em que elas deixem de ser reconhecíveis por quem quer que tenha seguido esta campanha.

Para qualquer observador, mesmo que distraído, este referendo foi ganho com temas de direita e nenhuma promessa acionável de políticas sociais. E os principais beneficiários deste "Brexit" serão gente como Marine Le Pen, Geert Wilders e o partido extremista alemão AfD — que são os portadores nos seus países dos mesmos temas. A desintegração da UE beneficia-os e quem desejar que o "Brexit" a acelere acabará a ver que essa desintegração levará ao poder as políticas e os partidos da direita mais extrema e nenhuma das políticas sociais favorecidas pela esquerda. Para esta, a melhor hipótese continua a ser a de salvar o projeto europeu e até de intervir nos espaços vazios deixados pela saída do país que mais defendeu o neoliberalismo no Conselho Europeu. Apostar no colapso da União Europeia, ou proclamá-lo preventivamente para melhor o apressar, não poderá resultar noutra coisa que não na destruição da vida de milhões de trabalhadores e cidadãos que não são ricos nem poderosos — e a uma escala que faria os anos passados parecerem-se com uma borrasca ou um tempestade, mas não com o tsunami que viria com o fim da UE.

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