No país dos eucaliptos

Está na hora de tentar um novo equilibrio na floresta. Pior do que correr riscos, seria deixar tudo na mesma.

Viaja-se do Porto a Lisboa, de sul para Norte, do litoral para o interior e de há uns 20 anos a esta parte o que se vê nas orlas das estradas é uma interminável mancha de eucaliptos. Os eucaliptos estão plantados em zonas secas e nas zonas com maior pluviosidade, em terrenos de fragas ou em solos mais ricos, nos planaltos ou nas encostas das serras, circundando aldeias remotas da Beira ou Trás-os-Montes ou os limites urbanos das grandes cidades. No prazo de uma geração, o eucalipto resistiu a todos os anátemas dos ambientalistas, a todas as dúvidas de uma certa elite de silvicultores e instalou-se como a espécie dominante da floresta portuguesa. Um domínio tão avassalador que deu origem a um problema, como acontece a tudo o que se torna excessivo.

Com uma área ocupada superior aos 800 mil hectares, o eucalipto é vítima do seu próprio sucesso. É omnipresente e quase omnipotente nas escolhas dos proprietários. Ou era. O Governo quer travar a sua expansão. Os produtores e a poderosa indústria que alimenta são contra. Discutir o eucalipto por estes dias é, de alguma forma, discutir o país que construímos e o país que queremos para o futuro. O débil ordenamento florestal, que a suspensão anos a fio de programas regionais consumou e os incêndios acentuaram, gerou uma ocupação do território baseada no garimpo e na ausência de critérios de sustentabilidade. Um país com o potencial florestal como o português (as árvores são de longe o nosso maior recurso natural renovável) tem de o saber gerir com ciência e pensamento, equilibrando a pulsão imediatista do mercado com a preservação de um recurso natural de enorme valor. A floresta é um bem público demasiado importante para ser deixado ao capricho de um liberalismo económico desregulado.

Ao contrário de muitos mitos urbanos que tiveram o seu momento de glória nas décadas de 1980 e 1990, nada prova que o eucalipto seja uma espécie daninha que suga a água e devora os nutrientes do solo. Vários estudos científicos provam que parte do ódio que tantos dedicam a essa espécie não tem justificação alguma. O que explica a rejeição e o combate militante que personalidades e organizações ligadas ao ambiente lhe movem é, afinal, a razão principal do seu sucesso: a produtividade. O eucalipto cresce rápido, mais rápido do que qualquer outra árvore, e ao crescer muito adquire um valor económico imbatível. Execrado pelos ambientalistas, o eucalipto é adorado pelos produtores florestais. Por isso a sua área cresceu tanto. Por isso suscita tantas dúvidas aos que persistem em ver o mundo como aquele lugar idílico onde a prosperidade cai do céu. Por isso a sua plantação e cultivo merecem cuidado da sociedade e a atenção do Estado.

O problema do eucalipto não é, por isso, a árvore em si mesma. Nem, obviamente, o facto de ser uma matéria-prima que desenvolveu uma indústria de classe mundial, com um impacte na economia de primeiríssima importância – a The Navigator Company, antiga Portucel, é a empresa que responde pela maior exportação líquida do país. O problema do eucalipto é a avidez do lucro fácil suscitado pelo apetite extractivo dos portugueses que a demissão do Estado tolerou. As suas manchas florestais há muito que deviam ter merecido a autodisciplina dos privados e regulação oportuna e sensata dos poderes públicos. Mas, como sempre acontece quando em causa está a riqueza natural, os portugueses são pouco dados a gerir e a planear o futuro. Deu no que deu: num país a caminho de se tornar um imenso eucaliptal, mal gerido, na sua grande maioria situado em zonas ecologicamente inadequadas.

Face ao problema, o Governo pretende congelar a área actual de eucalipto, promovendo a prazo a transferência de plantações de zonas más para zonas produtivas. A resposta, está longe de ser ideal. Mas tem o mérito de forçar o debate. Como ponto de princípio, a sua tese é inatacável: o país não pode continuar a caminhar para a monocultura do eucalipto – ou de qualquer outra espécie. É necessário intervir, disciplinar e estimular a mudança. Porque algo está a correr mal. Ainda que as plantações aumentem, a floresta de eucalipto não consegue suprir as necessidades da indústria. Há-de ser melhor ter 800 mil hectares muito produtivos do que um milhão e meio em zonas pobres onde o crescimento é mais lento e qualidade má.  

Num país que fosse capaz de olhar para os seus recursos a prazo, não teria sido necessário chegar aqui. Limitar o tipo de investimento que o dono de uma terra quer fazer é sempre algo, no mínimo, feio. E, é bem verdade, pode resultar em nada. E, é bem verdade, tem um fundo ideológico, como denuncia a CAP – como aliás o anterior regime do Governo Passos tinha. Mas a verdade é que está na hora de tentar um novo equilíbrio na floresta. Congelar áreas de eucaliptos não garante que as outras espécies cresçam, mas deixar tudo como está seria arriscar transformar a paisagem portuguesa numa linha de horizonte pobre e monocórdica. Intervir para forçar tomadas de consciência e promover ajustamentos que sejam capazes de garantir a diversidade da floresta e, ao mesmo tempo, a viabilidade de uma indústria de primeira importância é o que se exige a quem governa. Pior do que correr riscos, seria deixar tudo na mesma.  

2 – O Governo quer a Caixa Geral de Depósitos pública, mas sujeita a regras de gestão privada. Ou seja, quer um organismo geneticamente modificado com poder para prosperar no mercado e, ao mesmo tempo, para suprir as suas falhas. A dificuldade em articular esta oposição manifestou-se, como seria de esperar, de imediato. O fecho de agências no interior faz sentido do ponto de vista de gestão, mas é uma aberração política. Porque discrimina populações frágeis e distantes e mina o dever da promoção da coesão que se exige a um governo decente. A Caixa, como a TAP, tornou-se uma geringonça em busca de desígnio, estratégia e vocação.

A Caixa, para dar lucro, vai ser o banco público que só serve parte do interesse público – o das zonas ricas onde há mais dinheiro. O seu azar é que para fechar balcões nas freguesias rurais vai ter de enfrentar protestos populares e agravos políticos que incomodam o PS e tiram as máscaras ao Bloco e ao PCP. O Presidente-Rei Marcelo já percebeu a armadilha e o Governo, sem o dizer, já deu instruções à Caixa. A romaria seguirá nos mesmos termos de sempre: com remendos. Os balcões não fecham, mas esvaziam-se para Bruxelas ver e a recapitalização avançar.

É bom que haja um banco público. Mas um banco público travestido só se tolera nas presentes circunstâncias em que o Governo está manietado pelas regras de Bruxelas e Frankfurt. É um mal menor. Depois de meios tribunais, de meios centros de saúde e de meias escolas, o interior dispensa bem mais meios bancos. 

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