Não empurrem mais a corda

Infelizmente, na Europa e no mundo, a principal estratégia de combate à crise tem sido a de meter mais dinheiro nos bancos.

Os bancos são um mundo às avessas. Quanto mais dinheiro se mete neles, mais falidos ficam. Os nossos ativos são os passivos deles (os depósitos que lá temos são empréstimos que lhes fazemos). Os ativos dos bancos, na verdade, somos nós.

Significa isto que aquilo de que os bancos precisam não é de mais dinheiro. Os bancos precisam é de pessoas com mais dinheiro. Calha bem, porque as pessoas também precisam de mais dinheiro, depois de anos de cortes e contrações. E as pessoas também precisam de outras pessoas com mais dinheiro: os seus clientes, os seus patrões, os seus sócios, os seus empregados.

Infelizmente, na Europa e no mundo, a principal estratégia de combate à crise tem sido a de meter mais dinheiro nos bancos. Os nossos estados endividaram-se para salvar os bancos. Os bancos centrais dos EUA e do Japão criaram dinheiro para meter nos bancos. Bastante mais tarde, o Banco Central Europeu também enveredou pela via do “apoio quantitativo”, injetando dinheiro nos bancos para fazer levantar a economia real.

Era de prever que isto não funcionasse bem. Há cinco anos escrevi uma crónica em que — pensando que estava a dizer algo novo — descrevi estas políticas como uma tentativa de “empurrar uma corda pela ponta”. A intenção era explicar que há coisas que funcionam bem ou mal como mecanismo de transmissão dependendo da direção em que as usamos. Uma corda é um excelente mecanismo de transmissão quando a puxamos, como por exemplo para tocar um sino. Mas é um péssimo mecanismo de transmissão quando a empurramos: se quisermos enfiar uma corda no buraco empurrando-a pela ponta oposta ela enrola e não avança.

Alguns economistas (um exemplo recente: Stephen Roach, de Yale) afirmam que isto se passa com os bancos porque a economia mudou. Segundo eles, meter dinheiro nos bancos para chegar à economia real era uma política eficaz no passado, mas hoje este dinheiro dissipa-se no mercado de capitais. Mas um pouco de história demonstrará que este foi sempre o caso: o dinheiro metido nos bancos vai parar sempre aos bolsos dos mesmos.

Algum tempo depois de ter escrito a crónica sobre “empurrar uma corda pela ponta”, comecei a ver referências — que ignorara antes ou tinha já esquecido — à mesmíssima frase como tendo sido usada por Keynes. E uma breve pesquisa na internet sugere que não foi Keynes a dizê-lo, mas um congressista americano numa audição com o banqueiro central dos EUA em 1935. O problema de então era o problema de hoje: o dinheiro metido nos bancos ficava nos banqueiros.

Pior: a insistência em meter dinheiro nos bancos não fará mais do que gerar uma justificadíssima ira na população em geral. Será possível, pergunta-se toda a gente, que após seis anos de resgates a bancos estejamos de novo a ouvir falar de um colapso do sistema bancário ao virar da esquina?

Os governos, da União Europeia e não só, têm neste momento uma escolha muito simples. Ou enveredam por um plano urgente — por exemplo, através de créditos concedidos diretamente a instituições que prestam serviços públicos — para dar emprego às pessoas e meter-lhes dinheiro nos bolsos, ou um novo colapso da banca poderá arrastar consigo as esperanças da democracia no continente.
 

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