Matou o país e foi ao cinema

António Costa desenvolveu uma admirável técnica – podemos chamar-lhe “o sorriso confiante” – em que nem sequer precisa de mentir descaradamente.

Eu já estou fartinho de ver as luzes das câmaras reflectidas nos dentes sorridentes de António Costa, mas o povo – e inúmeros comentadores – ainda não. Nos últimos dez meses descobri, com algum espanto, a existência de uma correlação insuspeita entre a área de esmalte exibida por um político e a sua popularidade, que parece ser independente da qualidade das palavras que usa, das notícias que dá e das acções que pratica. António Costa desenvolveu uma admirável técnica – podemos chamar-lhe “o sorriso confiante” – em que nem sequer precisa de mentir descaradamente. Ele apenas desvaloriza o que é mau, sobrevaloriza o que é bom, e utiliza a técnica do sorriso confiante para ignorar o péssimo futuro que nos aguarda. Espantosamente, funciona.

Ou melhor: funciona até o péssimo futuro se transformar num péssimo presente, claro. Mas num país com uma conhecida incapacidade para planear e antever, ter como primeiro-ministro um homem cuja grande vocação é a arte do desenrasca e uma gestão altamente habilidosa do presente tem esta consequência: o país vai andar por aí cantando e rindo até uma nova e profunda crise lhe cair em cima. Isto parece-me bastante óbvio, mas já dizia o bom Orwell que é preciso uma luta constante para ver aquilo que está à frente do nosso nariz. A malta prefere não ver. Prefere ser optimista. Prefere o sorriso confiante. Basta ler os jornais para nos depararmos com as três regras da política portuguesa para totós: falar do passado é sempre mau (ainda que não haja outra forma de aprender com os erros); propostas para o futuro é sempre bom (ainda que sejam pura aldrabice); gerar esperança é essencial (ainda que não haja qualquer razão para estar esperançado).

Para os portugueses mais à esquerda, e respectivos comentadores, não interesse tanto o que se diz mas como se diz. É a paulabobonização da política nacional. António Costa pode estar a desgraçar-nos, mas pelo menos desgraça-nos com alegria e etiqueta. Passos Coelho até pode estar certo nas suas previsões catastrofistas, mas para quê ser tão negativo? O país não estava já tão mal com ele? Agora continua igualmente mau, mas com melhor disposição. Para quê tanta rezinga? Só porque o crescimento não descola, o investimento afunda e a dívida dispara? Ora, ora, não nos vamos aborrecer com isso, que o défice está controlado. Só porque a UTAO alerta para as “pressões orçamentais” do segundo semestre? Ora, ora, olhai os lírios do campo, que não trabalham nem fiam, e não andeis ansiosos, a dizer o que havemos de comer ou que havemos de beber, porque António Costa sabe que precisais de tudo isso.

Não temais, pequeno rebanho: basta ter fé no socialismo e valorizar esse anúncio permanente a um dentífrico em que está transformado o nosso primeiro-ministro. Não há stress, não há nervos, não há preocupações – o nosso homem em São Bento é supercool. Os americanos têm “No drama Obama”, nós temos “Não fica sem resposta Costa”. António Costa desvaloriza tudo, ultrapassa tudo e explica tudo, ainda que as suas explicações tratem os portugueses como se tivessem a idade mental da minha filha Rita: “A recomendação da UTAO é a que qualquer médico dará a todos nós: ‘Não abuse dos doces, senão isso fará mal à sua saúde’.” Ora aí está a resposta macroeconómica por que o país ansiava. Bravo. E a verdade é esta: a minha filha Rita, que tem quatro anos, não percebe Passos Coelho, mas percebe António Costa. Desconfio que seja essa a razão da sua popularidade.

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