Mães pragmáticas

Rodrigo tem 17 anos e vem à consulta por quadro depressivo, na sequência de ruptura com a namorada. É um rapaz competente, bom aluno, bem inserido no seu grupo de amigos e com uma relação familiar adequada. Acha que os sintomas depressivos estão relacionados com a surpresa pelo abandono da Diana e por não se “sentir à vontade” para falar deste assunto em casa.

Rodrigo vive com a mãe e uma irmã mais nova. Os pais divorciaram-se quando tinha dez anos, mas os encontros com o pai sempre decorreram sem sobressaltos significativos. Tudo parecia bem até um mês antes da consulta.
Aprendi com os meus mestres que, na adolescência, se revisitam as relações com as figuras parentais vivenciadas na infância. Também me ensinaram que esses relacionamentos com os pais são decisivos para a construção do self, o próprio, ou seja, a totalidade psicofísica (consciente e inconsciente) de uma pessoa em determinado momento. Fiquei surpreendido com a resposta:
— Professor, o meu pai estava sempre a trabalhar, mal me lembro dele na minha vida de criança. A minha mãe só se preocupava com questões práticas. Se eu comia e dormia bem, se lavava os dentes duas vezes por dia, se andava bem arranjado. Nunca me lembro de me ter abraçado ou beijado, nem guardo qualquer recordação de uma conversa íntima… corria tudo bem, mas… não sei, acho que faltou qualquer coisa, só me senti amado pela Diana, pode imaginar como me senti quando ela me disse que estava tudo acabado entre nós.

No quotidiano dos nossos dias, em que muitos pais centram a sua vida no (des)emprego e os filhos privilegiam o prazer da diversão, não faltam estas mães “práticas” que tudo parecem resolver com um simples gesto operacional.

O psicanalista inglês Ronald Winnicott (1896-1971) combateu a ideia de uma mãe perfeita, mas descreveu a “good-enough mother”, capaz de se adaptar, de modo consciente e inconsciente, às necessidades do seu bebé, conseguindo um ambiente acolhedor que permita o desenvolvimento do filho como uma entidade autónoma e diferente da mãe. A experiência de mais tarde ser capaz de viver sozinho, segundo Winnicott, terá origem na forma como a mãe, de uma forma empática, for capaz de permitir que o bebé possa estar “psicologicamente sozinho” na sua presença. Neste movimento da mãe, o cuidado afectivo seguro, a ternura relacional e o investimento na compreensão da intimidade do filho são fundamentais.

A mãe de Rodrigo é uma educadora pragmática e formal. Resolvia as questões práticas: hora de levantar e deitar, idas ao médico, higiene pessoal da criança, trabalhos escolares, escolha das roupas, mas é provável que não tenha tido em conta as necessidades mais invisíveis do cuidar: a escuta atenta do íntimo do filho, a antecipação das dificuldades das diversas fases do desenvolvimento, a disponibilidade para intervir com um abraço em vez de uma conversa prolongada.

A educação parental permite hoje, de uma forma já demonstrada, possibilitar aos pais o seu próprio crescimento e maturação, de modo a potenciar e tornar mais competente a sua capacidade parental. Prevista na legislação para as crianças e jovens em perigo, precisa ser mais divulgada e adaptada a outras situações, sobretudo no contexto escolar. Pode ser um instrumento fundamental na melhoria das escolas e do trabalho dos professores.


Esta crónica foi publicada na Revista 2, edição de 19 de Janeiro de 2014

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