Luz de Lisboa! Câmara Municipal! Acção judicial contra legítimos proprietários!

A minha vida é angústia. Sinto uma ausência que não sei nomear. Não consigo dominar este estado de ansiedade. Esta insatisfação, não consigo compreender. Sempre esta sensação, que estou a perder. Tenho pressa de sair, quero sentir ao chegar vontade de partir para outro lugar. Vou continuar a procurar o meu mundo, o meu lugar. Porque até aqui eu só estou bem aonde eu não estou, porque eu só quero ir aonde não vou. (Ou seja, vivo uma dupla angústia: a de não saber o que quero e a de habitar uma canção do António Variações.)

Só que, finalmente, descobri o que estou a perder. Sei para que outro lugar tenho vontade de partir. Onde é que estou bem. É no Cinema Londres. Onde não estou. Mas onde, percebo agora, sempre desejei estar. Tanto tempo desassossegado e o aperto no coração era vontade de ir assistir a filmes na Av. de Roma. Aliás, com um bocadinho de auto-análise, conclui que o que quero mesmo é, no intervalo de uma boa fita, contemplar a exposição de quadros do Miró. Durante anos fui um apreciador de cinema especificamente passado no Londres e de pintura surrealista do catalão, e não sabia! Obrigado, Movimento dos Lojistas da Av. Guerra Junqueiro, Praça de Londres & Av. de Roma, por terem decifrado esta pulsão que há em mim. Obrigado, CM de Lisboa e Sec. de Estado da Cultura, por estarem a fazer tudo ao vosso alcance para salvar o Cinema Londres e acalmar o meu anseio. Meu e de milhares de lisboetas desesperados. Não é por acaso que a taxa de suicídios aumentou. Cuido mesmo que, se o cinema não estivesse fechado, a geração mais bem preparada de sempre tinha ido ver um filme, em vez de emigrar. Os jovens só vão para Londres porque não conseguem ir ver cinema ao Londres.

Felizmente, está-se a agir a tempo de corrigir o erro. Nem quero imaginar no que aconteceria se a blogger de viagens do site da CNN descobrisse o que se está a passar. Poderia deixar de achar que Lisboa talvez seja a cidade mais cool da Europa. E depois? Lisboa não está preparada para deixar de ser gabada em artigos das redes sociais. Se estrangeiros deixarem de publicar anualmente na Internet uma referência elogiosa à luz de Lisboa, como é que os telejornais farão reportagens de 25 minutos sobre referências elogiosas à luz de Lisboa vindas de um estrangeiro?

E a luz de Lisboa é, de facto, uma luz que ilumina Lisboa. O amanhecer em Lisboa é especial. Primeiro, está tudo escuro. Depois, incrivelmente, o sol começa a despontar a leste. À medida que o sol sobe, o fantástico acontece e coisas que não conseguíamos ver, agora, são visíveis. Do castelo é que apreciamos bem. Ali, vista da muralha, Lisboa parece mesmo uma cidade vista a partir de uma muralha. Primeiro, não vejo nada porque há uma pedra, depois vejo telhados porque há uma ameia. Deixo de ver porque há nova pedra, agora volto a ver através de outra ameia. Ao longe, a Ponte 25 de Abril faz lembrar uma obra de engenharia construída especificamente para unir duas margens de um rio. Em nenhum outro lugar do mundo se une Lisboa e Almada daquela forma.

Tudo isto é proporcionado pela luz de Lisboa. Depois, anoitece. Lisboa deixa de ser iluminada pela luz de Lisboa e passa a ser iluminada pela luz da China, que é donde vêm todas as lâmpadas. Que são mais baratas em lojas como aquela que querem impedir de abrir no antigo Cinema Londres. Ainda bem que o cinema se vê às escuras.


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