Grandes paradoxos da modernidade

É surpreendente o pouco espaço que o PÚBLICO dedica à reflexão sobre os Grandes Paradoxos da Modernidade. Tenho lido amiúde dissertações sobre os Pequenos e Médios Paradoxos da Modernidade e também, por vezes, algumas meditações sobre os Grandes Paradoxos da Antiguidade. Mas, regra geral, os Grandes Paradoxos da Modernidade são ignorados. Apercebi-me a tempo dessa situação e cuido poder remediá-la.

Tenciono debruçar-me sobre aquele que é, na minha opinião, a mais premente contradição dos nossos dias: porque é que o homem que viaja de avião com a mala pequena de cabine é, na realidade, menos macho que o homem que viaja com a mala grande no porão da aeronave?

À partida, o senso comum diria que o nível de masculinidade é inversamente proporcional ao tamanho da mala. Quem viaja com pouca bagagem preocupa-se menos com o aspecto, logo, é mais homem. A realidade é mais complexa e passa-se exactamente o contrário: quem viaja só com uma malinha presta muito mais atenção à imagem. Atente-se: quem dispõe de pouco espaço para embalar a roupa tem de a escolher criteriosamente a priori. Significa que dedicou tempo a pensar no que ia usar durante a viagem. Inclusivamente, é provável que tenha consultado previamente um site de meteorologia. No fundo, houve teorização sobre indumentárias. Conjugaram-se padrões e cores em abstracto. Estudaram-se texturas. Ocorreu ponderação de calçado. O que é grave e muito pouco masculino. Um homem só deve visualizar como está vestido quando já está vestido. E só deve conseguir emitir um juízo de valor depois de a sua mulher lhe dizer o que é que ele deve achar da roupa que tem vestida.

Outros argumentos concorrem para a pouca virilidade da opção pela mala de cabine. Uma mala diminuta implica que quem a arrumou teve de dobrar a roupa cuidadosamente (e aqui destaco quer “cuidadosamente”, quer “dobrar”), para não a amachucar. Já o verdadeiro homem enfia tudo à balda para dentro do contentor. Tudo. Literalmente tudo. Leva a roupa toda que possui. Não escolhe, porque isso quereria dizer que planeou trajes. E, ao contrário do que se julga, o homem homem tem muita roupa: tem roupa de quando era magro, roupa de quando era gordo, roupa que a mãe oferece, roupa que são brindes que saem em revistas, roupa de outro homem que se trouxe do balneário do ginásio por engano, etc. Ter pouca roupa é sinal de que houve selecção e se está a par das tendências da estação.

Daí que, se o zénite da masculinidade é viajar com um armário de rodinhas, o seu nadir é viajar sem nada. Quem viaja sem bagagem é alguém que, mal aterre, vai às compras. Julgo que não é preciso desenvolver sobre o tópico das “compras”.

Mais: a mala de cabine obriga a transportar produtos de higiene em recipientes com tamanho específico adequado. O que quer dizer que houve compra de todo um jogo de vasilhame exclusivo para viagem, com menos de 100 cl, apetrechado com aspersor ou outro tipo de dispensador e para onde se efectuou o transvase de perfume, creme hidratante e champô com aloé vera.

Já na mala de porão pode viajar tranquilamente a embalagem de litro e meio de água-de-colónia S3 com que se vão processar todas as operações de asseio durante a viagem.
Numa próxima oportunidade, dissertarei sobre outro dos Grandes Paradoxos da Modernidade: porque é que a concorrente de reality shows faz questão de afirmar “sou como sou e não interessa o que os outros possam pensar pois não vou mudar a maneira de ser”, mas depois tem mamas falsas?

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