Gotículas de Pflugge

No Portugal da segunda metade da segunda década do século XXI "com licença" quer dizer "dá cá essa merda, estás-me a dar cabo do juízo!"

 

Passei o dia de hoje a lembrar-me de quem me pegou esta repugnante constipação. "Interessa-se por jardinagem?" perguntou-me uma pessoa que nunca vi antes que fez questão de se cruzar comigo. Como é que posso responder que não? Respondo com o "siiim" mais longo e inconvincente que consigo.

"Então conhece o Bojardas Sobre Nardos e Begónias, certamente". "Nãooo..." "Basta pôr bojardas nardos no Google". A custo desembolso o telemóvel e faço umas fintas com os dedos.

"Já está a ver?" pergunta a chata, torcendo o pescoço como um dinossauro para me espreitar o écran.

É aqui que tudo acontece. Surripia-me o telemóvel das mãos, cuspindo agressivamente "com licença!" Observo as gotículas de Pflugge, gordas de tão virulentas, a formar-se no vidro. Assentam, espalhando as margens aureoladas, esperando pacientemente pela minha sôfrega inalação.

No Portugal da segunda metade da segunda década do século XXI "com licença" quer dizer "dá cá essa merda, estás-me a dar cabo do juízo!" Ou, com ainda mais lata, "pára e escuta, amigo: quero partilhar a minha gripe contigo".

Os dedos da criatura acabam o trabalho dos perdigotos. Perdigotos, indeed. Que se pode esperar de uma língua que chama faisões bebezinhos aos agentes salivares dos tifos e das pragas?

Fossem os nossos olhos microscópios e desataríamos todos aos gritos a correr para o infinito de braços levantados, possuídos por um terror que nunca haverá em meros filmes. Ainda não nasceu a alma capaz de enfrentar tantos grotescos.  

 

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