Depois queria pedir

Não adianta o sarcasmo de perguntar: "Importa-se de nos falar um bocadinho dos tempos em que queria pagar?"

Como é que se diz, em português “quero pagar agora”? Como é o presente, usa-se “depois”. Como a vontade é naquele momento usa-se o pretérito imperfeito “queria”. Logo, diz-se: “Depois queria pagar.”

Não adianta o sarcasmo de perguntar: “Importa-se de nos falar um bocadinho dos tempos em que queria pagar?” A resposta nunca será: “Lembro-me muito bem. Era uma fase da minha vida em que eu tinha imenso dinheiro e então queria pagar tudo e mais alguma coisa. Queria pagar os impostos dos meus vizinhos, queria pagar o défice externo, queria, em suma, pagar, pagar, pagar, independentemente da conta ou da quantia que se tratasse.”

Não é bem-vinda qualquer análise pseudopessoana em que se chame a atenção para o carácter contraditório mas profundamente português de querer atirar para um futuro ainda desconhecido (o “depois”) desejos já sentidos que pertencem claramente ao passado (o “queria”). O mesmo é dizer: “Quando este momento tiver passado, quero voltar a ter as vontades que tinha quando era um petiz.” É o fenómeno do “depois queria”. Não se pode é confundi-lo com a condição contrária, que é a de querer ter no passado os desejos que só se têm no presente: o “antes quero”. E muito menos com a versão extremista desta impossível exigência que consiste em puxar para o passado vontades que só ocorrerão no futuro: o “antes vou querer”.

A verdade é que, ao contrário dos povos caretas, não sabemos conjugar os nossos desejos segundo um eixo tosco de ontem, hoje e amanhã. A gente sabe lá!

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