Confissão de um agente de viagens de bancada

Consigo torcer pelo Bruno Alves, que tanto pau deu nos meus jogadores do Sporting. Pelo André Almeida, que não é da minha equipa. Pelo Moutinho, que já não é da minha equipa. Posso até torcer pelo Pepe, que se porta sempre como Pepe. E pelo Neto, que eu não faço ideia quem seja. Mas não me peçam para torcer pelo senhor responsável pela marcação de unidades hoteleiras onde a equipa se hospeda. O meu fanatismo pela selecção nacional não chega para fazer claque por quem trata da logística e mete estes autogolos de antologia.

No Brasil, estão os nossos 23 melhores jogadores e os portugueses que apoiam a selecção sabem que eles próprios não fariam melhor do que aquilo. (Mesmo eu não sei se não teria estupidamente esfregado aquela cabeça alemã.) Mas sabem também, com toda a certeza, que não há um único português que não planeasse a viagem melhor do que esta foi planeada. Não é preciso termos o melhor organizador de viagens do mundo. Bastava ter um razoável organizador de viagens. Não pedimos o Ronaldo da Agência Abreu, servia-nos o André Almeida. Só tinha de ir ao Google, descobrir como é o clima dos sítios onde íamos jogar e marcar estágio e local de concentração com o clima mais aproximado possível. Talvez assim os nossos jogadores não estivessem tão derreados, ao contrário dos adversários, tão frescos.

A expressão “jogadores frescos”, aliás, é capaz de ter sido o problema. Quem escolheu Campinas talvez tenha achado que, para ter “jogadores frescos”, era preciso tê-los num clima mais frio. É, justamente, o oposto: estão mais “frescos” quanto mais tempo tenham estado num clima quente. Os funcionários da Federação têm de ser menos literais. Ou então é o contrário e são metafóricos de mais: acharam que o “calor humano” dos emigrantes em New Jersey fazia as vezes da canícula. Não sei. Já estou habituado ao léxico de jogadores de futebol, mas o de chefes de comitiva de jogadores de futebol é novidade.

Também é possível que quem escolheu os locais tenha pensado que a humidade relativa era, lá está, relativa, e tenha dado pouca importância. Logo à noite, quando entrarmos em campo em Manaus, vai-se perceber que não é assim tão relativo. Por alguma razão os americanos estagiaram na Florida, um pedaço mais húmida que New Jersey. E chegaram ao Brasil dois dias antes de Portugal, para terem mais tempo para se habituarem às temperaturas. Já para não falar dos alemães, que vieram quatro dias antes. Se em 1500 tivéssemos a FPF a organizar, o Álvares Cabral também tinha feito um pit-stop em New Jersey.

Ainda faltam muitas horas, mas neste momento já todos os portugueses sentem a opressão da humidade. Do Minho ao Algarve, milhões de cuecas lusas estão já húmidas de pingos de urina evaporada, vertidos só do medo do que pode suceder. Às 11 da noite vamos saber como reagem os nossos jogadores à adversidade. Se baixando os braços, se aproveitando as oportunidades que este calor húmido traz. Por exemplo, percebendo que podem poupar no gel e usar a humidade para aqueles penteados que tanto apreciam.

P.S. — Para os responsáveis da FPF, deixo dois links que poderão ser úteis no futuro: www.accuweather.com e www.booking.com.     

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