Como afiar as unhas

Se não der luta não dá tesão. A tesão e as unhas são mais alegres e controláveis do que tristes.

Os casamentos, por muito felizes que sejam, são digladiados e vencidos (ou perdidos) a cada momento.

Os seres humanos podem amar a paz mas têm de guerrear para alcançá-la. Nos casais, cada um dos caseiros tem de mostrar que ainda tem unhas para o outro. E a única maneira de afiá-las é arranhando a pessoa amada. Assim como a única maneira de mantê-las afiadas é defendê-las do muito amado contra-ataque.

Não há um santo dia - nem um sacana de dia sequer - em que a Maria João e eu não afiemos as unhas um no outro, à maneira dos gatos para com os cadeirões e sofás pelos quais se apaixonam.

A harmonia não pode ser uma chatice. Tem de ser, no mínimo, um equilíbrio de forças violentíssimas. Amando não podemos prescindir das forças infantis, eróticas e competitivas que dão pica à vida e não nos deixam dissolvermo-nos, como sais em águas doces.

Os picanços e as disputas - nunca por tudo mas sempre por nada - são uma afirmação das diferenças que dão força ao amor e à paixão. Apaixonarmo-nos por pessoas parecidas connosco - se é que elas existem - é um delírio tão narcisista que não chega a ser masturbatório.

O estado natural do amor e da paixão não é a paz nem a concordância. É a excitação erótica da preocupação da diferença. É o prazer de enfrentar como quem confronta alguém com um desejo que é ao mesmo tempo o mesmo e o oposto do nosso.

Se não der luta não dá tesão. A tesão e as unhas são mais alegres e controláveis do que tristes.

Sugerir correcção
Ler 3 comentários