Cartas ao director

Fátimas

Li recentemente no PÚBLICO uma entrevista a um conceituado bispo da Igreja Católica, com um lugar relevante no Vaticano, na qual este afirma que a Nossa Senhora não desceu do céu à Terra aos "trambolhões", mas que o fenómeno de Fátima resulta da visão de três humildes pastorinhos. (…) Vou aqui confessar que eu próprio, na minha mais tenra idade, tive visões; sim, tive visões do inferno onde me via a arder eternamente, pois o senhor cónego da Igreja do Coleginho, nos seus terríveis sermões, afirmava que quem não cumprisse os mandamentos da Santa Madre Igreja era aí que iria apodrecer; que terríveis noites de insónia tive! Mais sorte tiveram os pastorinhos com as suas suaves visões. (...)

Ezequiel Neves., Lisboa

O cosmopolitismo não é suficiente para explicar a situação

Rui Tavares defende que a grande oposição política do nosso tempo é entre nacionalismo e cosmopolitismo. “Tolice” à parte, uma coisa é um conceito como objectivo futuro, outra coisa é a caracterização da situação actual que não nos parece resultar totalmente dessa oposição. O cosmopolitismo é um conceito muito denso que pretende superar a divisão política inerente aos diferentes Estados tendo em vista garantir a paz. É um conceito ideal, com relevância actual, sujeito a muita análise nos últimos 200 anos após a publicação da Paz Perpétua de Kant. A “grande oposição” não pode esquecer que os partidos do centro, nomeadamente do centro-esquerda, estão em queda não por serem nacionalistas. Pelo contrário. O que aconteceu foi uma despolitização progressiva da coisa pública. Desde a década de 70 a orientação neoliberal passou a estruturar a nossa sociedade, a integração supranacional, a UE e a designada globalização, nomeadamente a regulamentação do comércio e das finanças internacionais (FMI, Banco Mundial e OMC). Pode dizer-se que a governação social-democrata e de esquerda deixou praticamente de ter condições a não ser de modo mitigado. Isto teve consequências sociais e muitos cidadãos consideram que valores essenciais não foram protegidos por esses partidos. A ideia geral de cosmopolitismo não é, assim, suficiente para esta avaliação (…).

A. Betâmio de Almeida, Carnaxide

Assunção Cristas e os sem-abrigo

A preocupação de Assunção Cristas com os sem-abrigo é comovente. Para quem promoveu a liberalização das rendas antigas através da reforma do arrendamento urbano, a primeira conferência de “Ouvir Lisboa” é um diálogo de surdos e mudos. Esta súbita preocupação tem muito de marcelismo. Na verdade, o Presidente da República colocou os sem-abrigo na agenda política. Ouvir a dirigente do CDS falar em exclusão social, pobreza e sem-abrigo faz recordar o adágio: “Da justiça, os pobres só conhecem o castigo.”

Ademar Costa, Póvoa de Varzim

O Portugal caído no esquecimento

Vem esta carta a propósito de algumas ideias lançadas pela bióloga Maria Amélia Martins-Loução no dia 22, Dia Internacional do Planeta Terra, que "fica no esquecimento da maioria da população". Um alerta para não nos esquecermos que, por exemplo, Portugal está em quarto lugar entre os países europeus com mais espécies em risco de extinção. "Se a preocupação [com os problemas ambientais] existe, falha a mudança de atitude." Agimos como se esses problemas estivessem “distantes”, fossem de outros, noutros lugares, etc. Este tipo de problemas remete-me para um outro: o esquecimento das nossas “terras”, lugares e populações (humanas) mais interiores. Passei o fim-de-semana no Alentejo. À chegada a Moura, deparámo-nos com os grandes cravos feitos em papel, colocados na varanda da bonita biblioteca municipal, lembrando a Revolução. O visitante saberia também que, ali ao lado, nessa noite de derby, poderia ouvir Jorge Palma no Cineteatro Caridade. Almoçámos no restaurante Chaminé — comida deliciosa. Durante a tarde, visitámos o Museu Alberto Gordillo (joalharia contemporânea), dedicado ao ourives que ofereceu centenas de peças à sua terra natal. Vimos o derby na muito recomendável taberna do Jorge “Liberato”, alentejano de gema que dá continuidade ao estabelecimento da família desde os anos 40. (…) Mas nem tudo são rosas ou cravos. Fica uma certa tristeza quando visitamos o interior. Onde estão as pessoas? Muitas vilas portuguesas estão vazias; os edifícios abandonados e não há recursos financeiros por parte das autarquias para restauros. Temos uma riqueza patrimonial imensa, conventos e castelos belíssimos, que reclamam cuidados e cujas histórias têm que ser conhecidas por pais e filhos. (…) Deixo uma sugestão aos professores de História, Geografia, Português: que organizem visitas de estudo a estes lugares. (…) Sugiro ainda que se crie mais um dia: o Dia do Portugal a Não Esquecer. Que o Portugal interior não se torne lugar de cegonhas e seus ninhos fabulosos mais do que lugar de gente.

Céu Mota, Santa Maria da Feira

Aberrações políticas

Li com preocupação no Expresso que Miguel Relvas se perfila como candidato à liderança do PSD, desafiando Passos para primárias, à semelhança do que aconteceu no PS. O escândalo Relvas, que rebentou não há muito tempo, por causa da sua licenciatura, e que ainda está bem vivo na memória dos portugueses, deveria inibi-lo de desempenhar cargos políticos. A credibilização da política portuguesa pressupõe que os Sócrates, os Isaltinos, os Relvas e outros, envoltos em práticas ilícitas ou suspeitos, devam permanecer à margem dessa mesma política. A candidatura de Isaltino, tal como as possíveis de Relvas ao PSD ou a de Sócrates a Belém, são aberrações políticas, indignas de um Estado de Direito e democrático. Podem dizer-me, no entanto, que alguns desses políticos são capazes de ganhar eleições. Não me admiro, porque Passos roubou nos salários e pensões e foi o mais votado! Mas se não os deixassem candidatar, não ganhavam de certeza! E salvava-se a honra da nossa democracia.

Simões Ilharco, Lisboa

Sarampo e tabaco

À luz dos conhecimentos científicos actuais, a vacinação contra o sarampo é útil à Saúde Pública, tanto como o tabagismo lhe é prejudicial. Convém dizer que nem sempre se pensou assim. Mas o mundo é como é, e, de momento, enquanto cidadãos responsáveis, temos de agir e pensar nesse contexto. Não foram necessários grandes debates sobre a proibição de fumar em determinados espaços. Porquê, então, tanta controvérsia sobre a obrigatoriedade da vacinação? Sem tergiversações nem consulta prévia, decidiu-se que os fumadores abdicassem das suas liberdades individuais, aliás muitíssimo respeitáveis, em favor do bem público. E alguém questionou a penosa retirada dos “direitos adquiridos” aos tabagistas? Para não se violarem consciências impondo obrigações legais, poderia começar-se pela exigência de certificados de vacinação no ingresso às escolas. Seria apenas o exercício de um inalienável direito de admissão.

José A. Rodrigues, Vila Nova de Gaia

Perigo

A China tem uma atitude "sínica" (não cínica) na Coreia. Apesar de ser parte no armistício existente, não se importaria de ver Trump fazer asneira. A América poderia neutralizar os mísseis e as principais instalações de Kim Jong-un mas nada poderia contra um milhão de efectivos terrestres, determinados, às portas de Seul: teria mesmo que entrar numa nova guerra terrestre. O que Xi Jinping quer é acesso ao Oceano Global forçando a abertura nos mares da China Oriental e Meridional e garantir Taiwan. Na Síria, a situação é outra. Se Trump fizesse nova asneira, os BGM-109 (Tomahawk), subsónicos de 1970, seriam interceptados pelos S-400 de 2004, que atingem 1 Km por segundo, têm múltiplas cabeças e atingem até 100 alvos à distância de 400 Km. Estão disponíveis na Síria e não foram lançados em Shayrat por causa do telefonema de Trump. Obrigaria os Estados Unidos a um vergonhoso recuo (a nova geração de mísseis russos de ataque global não têm interceptor americano). Os porta-aviões e os marines pertencem à 2.ª Guerra Mundial. A projecção de força estrategicamente decisiva, hoje em dia, são mísseis globais. Lá que seria muito perigoso, seria.

A. Carvalho, Lisboa

 

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