Canhotos ignotos

Toda a orientação dos livros, deste jornal, deste website, é anticanhota. Não há neutro: é esse o problema.

É chato ser canhoto porque o mundo está feito contra nós. Não é só a tesoura que não dá jeito: também não corta e, se nos esforçarmos para conseguir cortar, magoa a mão e corta tudo torto, sem que possamos ver o que estamos a fazer.

Para um destro ter uma ideia do que é ser canhoto seria preciso que, durante uma semana, se amanhasse com uma faca de pão para canhotos, um abre-latas para canhotos, um apara-lápis para canhotos, um saca-rolhas para canhotos, um descascador de batatas para canhotos, uma régua para canhotos, uma caneta de tinta permanente para canhotos e um bloco para canhotos. Qual é o destro que já passou por isso?

Acrescente-se, já agora, a gracinha de nem sequer saber porque é que estas utilidades são todas tão inúteis e o sacrifício, por uma questão de sobrevivência, do direito de estar sempre a queixar-se. Para não falar na despesa de substituir as coisas (como o abre-latas) que fatalmente destruirá.

Toda a orientação dos livros, deste jornal, deste website, é anticanhota. Não há neutro: é esse o problema. Se fossem para canhotos, sofreria a grande maioria dos leitores, que são destros. A companhia anythinglefthanded.co.uk fez um valioso vídeo em que mostra as dificuldades concretas dos canhotos, começando pelas crianças.

Não basta simpatizar com elas: é preciso compreender as causas físicas das frustrações delas com as coisas concebidas para os destros. É simples e insolúvel: para os canhotos as coisas (e as pessoas) direitas é que estão ao contrário. 

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