CALIFADO DO 31

Sou só eu que estou em pulgas para a chegada do Califado? Quando é que Abu Bakr al-Baghdadi restaura as fronteiras do Califado Omíada, para incluírem Portugal? É que tenho uma filha com três anos que já exige escolher a própria roupa. Se as mulheres portuguesas passarem todas a usar burqa, acaba-se esta parvoíce de estar hora e meia numa loja, com a rapariga indecisa entre uma T-shirt da Princesa Sofia ou da Porquinha Peppa. Quando os jihadistas instalarem a chafarica no Al-Andaluz, já posso ganhar uma discussão destas:

— Pai, quero aquele vestido da Dra. Brinquedos!

— Não pode ser.

— Porquê? Não há dinheiro?

— Haver, há. Mas o Califa não quer.

(Claro que isto é uma conversa ficcionada. No Califado, não existem mulheres a exercer Medicina, mesmo em brinquedos. Já para não falar de roupa com imagem de uma suína.)

Eu vou gostar de viver neste canto do Estado Islâmico. No fundo, é uma espécie de União Europeia. Pode não haver liberdade de circulação de pessoas inteiras, mas há liberdade de circulação de partes do corpo. Nomeadamente, cabeças. Um império tão extenso que uma cabeça pode ser decepada, sei lá, em Cabul, e vir a rebolar até Carcavelos.

(O ISIS corta umas cabeças e fica logo tudo histérico. Não se percebe a hipocrisia. Sim, eles cortam as cabeças, mas quantas pessoas não dizem: “Eh, pá, esta política dos países ocidentais faz-me perder a cabeça!”?)

Um dos muitos aspectos positivos do Califado é que, finalmente, Portugal vai assistir ao fim da injustiça social. Vai deixar de haver desigualdade. Acaba-se o preconceito contra homossexuais, mulheres, idosos, pobres, desempregados ou pensionistas. Para o Califado, não há discriminação: somos todos infiéis. Temos todos direitos iguais à decapitação.

Mais contentes, só os artistas. Ao contrário deste Governo, o Califado subsidia generosamente a cultura. Garante que 1% do orçamento vai para pedras de amolar exclusivas para as cimitarras usadas na decapitação de artistas, produtores e outros agentes culturais. E vão contratar 100 velhas só para desfiar os tricots gigantes da Joana Vasconcelos.

Os cantores escusam de perder tempo a pensar qual a melhor altura para anunciarem que vão fazer uma pausa na carreira devido à desilusão com o país, que não cumpre Abril. O Califado decreta essa pausa, proibindo a música. Foi por isso que aquele cantor de rap, impedido de praticar a sua arte, se virou para a única ocupação que tem saída, que é o corte de cabeças.

E é por isso que a nossa esquerda cosmopolita simpatiza com estes marotos. É que, no fundo, trata-se de rapazes barbudos com pretensões artísticas que recuperam tradições de antigamente. Ou seja, são hipsters. Há 500 anos, a conversão forçada era só uma moda. Agora é retro. A decapitação era apenas um costume. Agora faz um comeback e é vintage. Como os ténis Adidas Superstar ou os relógios Casio. É barbárie cool. Os bloquistas e sucedâneos adoram. Melhor, só se descobrirem que as lâminas usadas para cortar as cabeças são feitas por um artesão lituano segundo a tradição dos índios da Bolívia, usando só matéria-prima biológica de produtores locais, numa forja auto-sustentável.

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