Boletim meteorológico para ontem

Uma investigação conduzida pelo Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa para reconstituir o clima dos últimos 350 anos contabilizou, no séc. XIX, 148 tempestades semelhantes às que assolaram o litoral em Janeiro. Parece que as ondas que arrasaram a costa no Inverno de 2014 foram iguais às que em 1814, no Inverno, a costa arrasaram.

Trata-se, portanto, de vagalhões pleonásticos acompanhados por redundantes rajadas na ordem dos 170 km/h. E que nos colocam ante uma evidência. Se, no início do século XIX, muito antes das emissões de CO2 atingirem os níveis actuais, ocorriam já estas tempestades violentas, só pode significar que o aquecimento global antropogénico não influencia apenas o presente e o futuro, ele afecta também o passado.

Ou seja: o aquecimento global entrou numa máquina do tempo e viajou para o passado. Ainda não tenho todos os detalhes, mas, para já, o meu palpite é que um pedaço considerável de aquecimento global se tenha enfiado num automóvel DeLorean conduzido por Marty McFly e tenha regressado a 1784. Lá chegado, começou a escangalhar o clima. É meramente especulativo, mas com o que sabemos sobre viagens do tempo, esta é a hipótese mais provável para explicar o aparente anacronismo dos efeitos das acções humanas no clima antes de terem sido praticadas.

Não é novidade. Na Biblioteca da Misericórdia da Ericeira, descobri este diário de um pescador, do início do séc. XIX: “A tempestade destruiu os barcos. Malditos os meus descendentes, que hão-de causar esta catástrofe que se abateu sobrem mim! Amaldiçoada hora em que decidirei ter filhos. E a hora em que, por sua vez, os meus filhos decidirem ter filhos. E em que esses meus netos decidam ter filhos. E assim por diante, até um herdeiro longínquo que vai colocar a televisão (que eu não sei o que é) em standby (que eu também não sei o que é), em vez de desligar da ficha (continuo sem saber do que falo). Isso levará a que o pérfido aquecimento global galgue as fronteiras do tempo para vir destruir o barquinho que me dá o parco sustento!”

Antigamente, havia um refúgio contra o mau tempo. Eram as memórias de clima irrepreensível. Ah, o suave estio de antanho! Tão diferente desta canícula infernal! Oh, o ameno Inverno de outrora, molhado, mas não encharcado, frio, mas não gelado! Só que agora o aquecimento global viaja ao passado, entranha-se nessas lembranças e impregna-as de clima inclemente. E clima inclemente, além de cacofónico, é maçador.

O poder do aquecimento global nas recordações é assustador: numa fotografia de 1980, em que eu estava na praia a brincar nas pocinhas com água pelos tornozelos, estou agora totalmente submerso. Como se sabe, o aumento retroactivo do nível do mar é um dos efeitos mais perniciosos do aquecimento global viajante do tempo. Se o aquecimento global continuar a causar cataclismos pretéritos, o que vai ser dos álbuns fotográficos da minha mãe?     

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