Arrepiar a pescada

Ai de quem pensa saber falar idiomaticamente e conhecer todos os eufemismos.

Falar português é sempre um perigo. Ai de quem pensa saber falar idiomaticamente e conhecer todos os eufemismos.

Só para situar, há um restaurante aonde vamos comer pescada cozida. Quando é fresquíssima gostamos dela arrepiada (esfregada com sal) mesmo antes de ir para cozer. No dia seguinte gostamos da pescada arrepiada 2 ou 3 horas antes de a comermos.

A tradição de arrepiar a pescada 24 horas antes é respeitável e deixa a carne lascada e firme mas fica salgada de mais. Por essa razão o pessoal do restaurante e eu acordámos um protocolo em que eu telefono para lá às horas em que ele lá chega(às 10 da manhã) e peço ao cozinheiro que comece a arrepiar a pescada para irmos lá almoçá-la ao meio-dia e meia.

Há anos que isto acontece. Quando é o (excelentíssimo) cozinheiro que atende eu digo-lhe “era para lhe pedir que arrepiasse a pescada”. Claro que “arrepiar a pescada” não significa, em nenhum dicionário de calão, masturbar-se. Mas a língua portuguesa é tão rica que basta dizer aquelas palavras para não nos livrarmos da associação.

Quando é outra pessoa que atende eu digo “pode pedir ao Senhor Pedro que comece já a arrepiar a pescada?”.

Passados 7 anos de vergonha decidi explicar o problema e pedir uma solução a um dos sábios desse restaurante. Foi elegante e inteligente. Basta telefonar e perguntar “se a pescada já foi arrepiada”.

Evita-se assim o convite à masturbação – embora não se dissipe inteiramente a conotação. Já não é mau.

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