Apresento-lhe o sr. Inércia, contabilista do BES

O BES é mesmo um banco familiar. Não só porque pertence a uma família, os Espírito Santo, mas também porque dá emprego a outra, a Inércia. A D. Inércia faz os anúncios e, percebeu-se agora, o Sr. Inércia é o contabilista. Provavelmente por não estar com pachorra para abrir o Excel, o Sr. Inércia não registou os 1200 milhões de euros de dívida do BES, uma quantia que coloca o banco na falência técnica. Enfim, são coisas que acontecem. Quem nunca se esqueceu de registar 1200 milhões que atire a primeira pedra. Preciosa, claro.

Estamos perante uma interpretação bancária do recém-consagrado “Direito ao Esquecimento”.

Tenho pena do Sr. Inércia, que deve estar a passar um mau bocado. A mulher anda feliz da vida, a contracenar com o Cristiano Ronaldo, e o Sr. Inércia nas ruas da amargura, sem emprego. Deve estar pesado o ambiente no lar dos Inércia.

Se eu fosse responsável pela manutenção dos edifícios do BES, fazia já uma vistoria às instalações todas. Mandava vir daqueles inspectores que verificam se há amianto nos prédios, mas punha-os a procurar vestígios de queijo. De certeza que há uma maquineta, tipo contador Geiger das radiações, para medir isso. Ou então ratinhos. Os escritórios devem estar pejados de resíduos de roquefort e flamengo, o que propicia todo este esquecimento no seio do Grupo Espírito Santo. Olvida-se imenso no BES. Já no ano passado foi o Ricardo Salgado que não se lembrou de declarar uns sete milhões de euros no IRS. Aliás, foi um esquecimento duplo: parece que também se esqueceu de os declarar à família, que não levou a bem. Sei bem o tipo de tensão familiar que pode haver. Ainda no outro dia perguntei à minha mulher se ela tinha 20 euros. Ela disse que não. Mais tarde, quando foi a ver, afinal tinha. Quando me disse, repreendi-a com firmeza: “Então quer dizer que tive de ir lá abaixo levantar dinheiro para nada? Obrigaste-me a calçar!” Foi um momento desagradável, no intervalo da Guerra dos Tronos. Se isto sucedeu por causa de 20 euros, imagino a bulha que terá acontecido pelos sete milhões.

É a chatice de se ser dono de uma instituição financeira tão grande. Há muita coisa a ter em conta. Há o passivo (o que se deve), os activos (o que se tem) e há os hiperactivos, que são aqueles bens que não param quietos, nunca conseguimos dizer exactamente onde estão. É aquele dinheiro que não sabemos onde o pusemos. Imagino o tamanho do ábaco que o pobre contabilista tem de manusear. Deve parecer um tear de missangas.

Entretanto, na quarta-feira, vai ficar a conhecer-se a nova estrutura accionista do BES, depois do aumento de capital. “Aumento de capital” é o termo técnico, mas, na actual situação de bandalheira e emergência financeira, isto parece-se mais com crowdfunding — que é como hoje em dia chamamos à antiga “vaquinha”.

Esta operação é capaz de ser um bocadinho precipitada. Mais valia aguardar algum tempo pela inevitável intervenção estatal que vai reformular definitivamente a estrutura accionista do BES, tornando-nos a todos, contribuintes, donos daquilo tudo.     

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