A “mediapolítica”: o novo Presidente “criou-se” a si mesmo

Não deixa de ser curiosa a interrogativa de muitos comunicadores, mesmo aqueles que, corajosamente, se declararam marcelistas: como será Marcelo como Presidente?

Marcelo Rebelo de Sousa ganhou. Indiscutivelmente. Com méritos seus. Com grandes erros de outros. Não venho fazer uma análise política. Venho, e penso que devo, como provedor de media, relevar a questão da "mediapolítica". Já vários comentadores têm dito que a campanha de M.R.S., nestas eleições presidenciais, devem constituir um case study. E julgo que sim. Mas sem retroverter situações muito próprias e ocasionais. Esta eleição constitui um caso na vertente que alguns autores (especialmente brasileiros, sem medo de criar neologismos) têm designado pelo "estudo da mediapolítica", ou seja, dos fenómenos que revertem uma relação muito intrínseca entre os media e a política.

A expressão do título que utilizo pode fazer uma alusão implícita à expressão mais conhecida "o criador e a sua criatura". Marcelo Rebelo de Sousa criou esta sua personagem de Presidente na rua, no “videovidens”, na intimidade doméstica dos portugueses. Através das pantalhas da visão mais planetária que existe. A sua vitória deve-a à “montra” da RTP e à TVI, exposta em anos a fio.  Reparem que eu digo à montra. Irrevogavelmente, M.R.S. construiu a sua personagem presidencial por atributos pessoais e irrefutáveis. Superinteligente, figura humana de irradiante simpatia, afável, de fácil leitura e explicação impressionista dos acontecimentos que nos rodeiam, excelente comunicador, Marcelo, "o comunicador", como lhe chamavam, construiu pausadamente esta criatura Presidente de Portugal.

Mas não nos equivoquemos. Quantos professores (reparem que nunca perdeu, nem quis perder, o título de professor) nas suas universidades ou escolas reúnem iguais qualidades. Porém, sem nunca as conseguirem fazer passar ou valer pela “montra” da televisão. Aliás, não deixa de ser uma perplexidade como nesta sociedade, que se diz culturalmente aberta, a “carga” de académico continua, socialmente, a fazer parte de uma certa “reserva mental”. E o caso de Sampaio da Nóvoa (claro com muitos outros “ingredientes” desfavoráveis ao candidato) é disso profundamente demonstrativo.

Com características completamente diferentes, aliás, em abono do nosso novo Presidente, neste campo de estudo de mediapolítica há outros casos. O de Sílvio Berlusconi, como bem o lembrou, em artigo publicado neste jornal (21/01/2016), sob o título “Um Berlusconi mais performante”, o professor J. M. Nobre-Correia; e há outro vivido no Brasil, com Fernando Collor de Melo (Presidente entre 1990 e 1992) que, escandalosamente, deu origem ao rifão “a televisão o criou, a televisão o destruiu”). M.R.S. é uma personagem completamente diferente destas de má memória. Mas nas valências do estudo da mediapolítica e, sobretudo, nesta dimensão de como a informação trata destas questões decisivas para a autenticidade e a subversão da democracia, como advertia no dito artigo Nobre-Correia, media e jornalistas deveriam tomar este assunto como tema de profunda reflexão. Aliás, continua a ser intrigante como os media  prosseguem, desapercebidos e avessos, a estudar a sua importância na construção das realidades que nos cercam. Veja-se, embora fora deste contexto, como os nossos media, com todo o seu exército de comentadores, são tão pródigos e vulneráveis, no campo desportivo (futebolístico, sobretudo), a desenvolver um “nacionalismo patrioteiro” exacerbado. E, no campo político, renegam tão facilmente a protecção de valores nacionais e identitários de uma pátria, bem visível na forma como estão a “cercar” o Governo face às trincheiras que lhe estão a montar a Comissão Europeia ou as agências de rating. Mas adiante.

Não obstante a gritante abstenção que põe metade da nação fora deste processo eleitoral, M.R.S. ganhou e é agora o nosso Presidente da República. Os perdedores só terão de queixar-se de si mesmos. O PS, carcomido internamente por “ambicionistas” de poder, a qualquer preço, que não conseguem ter, antes egoisticamente estão obcecados em destruir tudo, até o partido. Um PC que, estranhamente, não entendeu que, no campo da mediapolítica, «as caras bonitinhas» são decisivas para a ligação emotiva ao povo e que, em política, as caras falam. Os outros candidatos, com clara excepção de Marisa e do Bloco, não atinam que a liberdade em política tem de revestir outros atributos e que perceber os novos ventos requer entendimento sonoro e intelectual.

Não deixa de ser curiosa a interrogativa de muitos comunicadores, mesmo aqueles que, corajosamente, se declararam marcelistas: como será Marcelo como Presidente? É um capítulo de imprevisibilidade inesgotável. M.R.S. será, com certeza, uma personagem toda diferente daquelas que têm habitado aquele palácio. Marcelo “criou” o candidato vitorioso. Agora vai criar o presidente Marcelo Rebelo de Sousa. Centro-direitista e constitucionalista por formação, mas anticonvencional e pouco formalista, vai baralhar os costumes mumificados daquele palácio. Que continue a dormir pouco para ter tempo de rasgar um caminho de um Portugal com amor-próprio deprimido, sem perspectivas de um mundo novo que desponta, e rume para combater toda esta descrença que consome este país, todo curvado e ajoelhado aos ditames dos seus “sitiadores”. Internos e externos. E já não seria pouco. E até eu me reconverteria à criação desta criatura.

 

CORREIO LEITORES/PÚBLICO

“Vou votar na raposa”

O leitor Rui Sá apresentou-me a seguinte reclamação:

(…) “1. Ontem, dia de reflexão, com chamada à 1.ª página, "Candidatura de Guterres para a ONU reúne consenso" refere-se que, para Marcelo Rebelo de Sousa, esta é uma candidatura com "pés para andar". Sendo o único candidato com chamada à 1.ª página, sendo que no interior também se ouve a opinião da candidata Marisa Matias". "(…) Mesmo que se considere tal como legítimo, então é lamentável que apenas se tenham ouvido dois candidatos e só um seja chamado à 1.ª página.

"2. Hoje, dia das eleições, num artigo de opinião assinado por Miguel Esteves Cardoso e intitulado ‘Vou votar na raposa’, é feita uma inaceitável declaração implícita de voto em Marcelo Rebelo de Sousa.

"Já não bastava a cobertura pouco isenta da campanha eleitoral, com o benefício de Marcelo Rebelo de Sousa, por parte deste jornal. Mas estes artigos, em período em que são proibidas referências eleitorais, ultrapassam todos os limites, razão pela qual solicito a opinião do provedor.”

Comentário do provedor: Efectivamente, o leitor tem razão. Esclareço que, numa democracia aberta e idónea, discordo deste “silêncio” para 24 horas de suposta reflexão. Contudo, como a lei existe, terá de ser para todos. E se Paulo Portas é considerado prevaricador por, sibilinamente, apelar para uma resolução de votação, à 1.ª volta, ou igualmente Rodrigues dos Santos, às 19h, com plena votação a decorrer nos Açores, para “prender” a audiência na RTP, não resiste a criar o suspense de poder haver ainda uma eventual 2.ª volta, também Miguel Esteves Cardoso exagerou. M.E.C. tem um estilo muito próprio. Os leitores e os seus fãs conferem-lhe um “estatuto” de liberdade muito peculiar. M.E.C. tem uma capacidade inesgotável de escrever todos os dias uma coluna ímpar. Mas este seu texto deveria ter sido publicado dois dias antes.

 

  “Uma candidata engraçadinha”

Os leitores João Brandão, Márcio Guerra, Clotilde Moreira, Lúcia Gomes, Carolina F. escrevem-me a lamentar veementemente a publicação do artigo “Uma candidata engraçadinha”, da autoria de Elisabete Azevedo-Harman (PÚBLICO, 27/01/2017). Como sempre, por tratar-se de um texto de opinião, participei à direcção estes protestos.

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